Diário de Sonhos - #119: Engolido pelo Mar
Sonhei que estava na casa do meu avô, uma loucura arquitetônica que era ao mesmo tempo burra e incrível. Uma pequena casa de quatro cômodos feita de bambu no meio do oceano. Como a casa se sustentava, como tinha sido construída, eu não sabia. Tudo o que eu sabia era que não havia nada em volta além de água. Paz. Tudo estava calmo como num lago de inverno. Era bonito e o sol estava se pondo. Gostava de ficar apoiado na varando vendo as gaivotas pescando.
Mas o sol se pôs e o mar começou a ficar agitado. Ventos começaram a soprar, ondas começaram a se formar. Onde antes era tudo alaranjado, aconchegante e tranquilo esta se tornando em algo azul turquesa, revoltoso e ameaçador. Ondas cada vez mais agressivas vindo em direção à casa. Meu avô disse que era só se trancar dentro de casa que estava tudo bem, mas precisávamos achar minha avó primeiro. Ela estava nos fundos da casa tirando a roupa do varal. Fui até ela, mas no meio do caminho senti medo. Olhei pra trás e vi a maior onda da minha vida. Devia ter mais de dez metros de altura. O mundo se escondia atrás dela que crescia a cada metro avançado em nossa direção. Senti um medo indescritível quando ela estava próxima de mim. Quebrou com fúria e majestade, encobrindo o mundo de água e espuma. Quando finalmente dei por mim, estava na varanda da casa. A água batia no meu peito e a casa estava quase toda submersa. Meu avô gritava "pega sua vó! Pega sua vó!". Ela estava a poucos metros de mim se afogando. Nadei até ela, mas antes de a alcançar ela afundou. Mergulhei atrás dela.
Debaixo das águas era tudo calmo e silencioso, e por isso mesmo ainda mais assustador. Conseguia enxergar apenas alguns metros à minha frente. Depois tudo fica azul escuro, azul acinzentado, cinza até finalmente preto como breu. Abaixo de mim o abismo, as profundezas abissais, criaturas ainda nunca vistas pelo homem, estruturas mutantes drasticamente modificadas pela natureza para sobreviver à gigantesca pressão e escuridão eterna do fundo do mar. Senti dificuldades em respirar, senti que ia desmaiar. A poucos metros de mim minha avó dançava leve como uma bailarina de dezesseis anos de idade. Ela nadou até mim e me levou pra superfície. Desmaio.
Agora estou de volta na varanda, vendo as gaivotas pescando. Faz um dia bonito, céu azul e ensolarado. Minha avó está fazendo panquecas e meu avô consertando os estragos. Está tudo de volta ao normal. Viro pra ele e digo: "Vô, você precisa deixar essa casa mais alta". Continuo olhando as gaivotas pescando. Tem salmão no oceano.
São Paulo, três de setembro de dois mil e dezessete.