LEMBRANÇAS DE UMA INFÂNCIA FELIZ

Lembranças de uma infância feliz

Meia banda de sol aparecia. O vento de uma manhã primaveril e o canto de um bem-te-vi ajudavam-me a revestir a copa de uma árvore de saias verdes rendadas, abarrotadas de compridos frutos marrons, ácidos, que davam água na boca. São sinos pendurados sem bandalos, num antigo tamarindeiro de ressecado e retorcido caule pelo sol e pelo tempo. Nele, asquerosa lagartixa preta rastejava cautelosamente uma descida, indo se esconder num muro grudento de hera. Também nesse lugar, um viçoso e florido pé de maracujá disputava com os cipós da hera, uma vaga para suas ramagens. Adiante, uma árvore coberta de flores lilases, encantava a paisagem.

Atrás de uma cerca de arame farpado. um grande cortejo de formigas carregadas, abasteciam um formigueiro. Na copa, folhas verdes imparipinadas, presas ás galhas envergadas pelo peso dos frutos em racemos que, mesmo maduros, continuavam ser duros e incomestíveis. Numa certa distancia, escutava o coaxar de um sapo. Uma mulher descansava sentada numa pedra, ao seu lado, um pote cheio d'água.

Ao redor do " celeiro ", em vez de pássaros, giros e mais giros de morcegos saudavam o entardecer. Alguns já de cabeça pra baixo e com ajuda de seus capotes pretos, roíam os frutos. Fausto banquete desses mamíferos.

Uma repentina lembrança volteava minha mente, ataviada pelas árvores da redondeza da fazenda onde passei o melhor de minha infância. São os velhos oitizeiros que ficavam atrás da casa grande que bordejavam favoritas brincadeiras fragmentadas. Nessas árvores nunca subia, mas, a mangueira do quintal na época da safra, os seus frutos amarelados. pareciam bem-te-vi fechando meus olhos para arriscados convites: Eram subidas de inseguras traquinagens, dos meus inocentes anos. As mangas caídas no telhado quebravam varias telhas. Essas eram as mais saborosas, perigosas façanhas com severas reprimendas de meu pai.

Numa de suas galhas, estavam atadas as cordas do meu balanço rústico de madeira, para embalos e deleites. Mais acima minha inesquecível e adorável " CASA DA ARVOE "

As terríveis abelhas amarelas e as inofensivas abelhas pretas visitavam todos os dias os canteiros das rosas,, das dálias, cravos e jasmins, atraídas pelo aroma das flores.

Os formigueiros encontrados, os temíveis gafanhotos aprisionados sem cabeça, num vaso tampado de vidro, como também a praga das lagartas verdes nas plantas ornamentais, eram proezas remuneradas que adorava partilhar com meu irmão.

Junto da estufa que ficava no fundo de um comprido jardim, um galinheiro. Todas as manhãs, junto com nossa doce cozinheira ia apanhar os ovos, só para ver os ninhos. Que alegria quando no dia previsto escutava os piados dos pintinhos rompendo as cascas. Que enorme sensação!...

E as corridas das galinhas, cacarejando quando me viam!...

Não me cansava de acompanhar os preparos dos doces batidos de goiaba, manga, e batata doce num fogão de lenha, não podia deixar de ressaltar o trabalho da lavagem de um tacho de cobre com sal, vinagre e limão.

Tudo isso foi devastado pelo ciclone do tempo.

Nesse local hoje, eu não posso mais entrar. Ao passar pela frente todo o meu passado veio ao meu encontro. Ao ir embora, trancafiei meus ingênuos erários no cofre do coração e num velho oitizeiro, pendurei a chave enferrujada da infância.

Cecilia Davila
Enviado por Cecilia Davila em 03/09/2017
Código do texto: T6102974
Classificação de conteúdo: seguro