O PAIOL
Diário de minhas andanças ( 13/11/2009)
Sótãos e paióis sempre foram palcos de encenações à todos os meninos interioranos.
As paredes, geralmente escuras, agiam na cumplicidade de histórias onde os personagens oscilavam de anjinhos à pervertidos .
[Ou,quase]
Nada mais animado que uma guerra de sabugos,ao som das jornas em dias chuvosos nos interiores de paióis.
As grandes descobertas , e algumas surpresas, surgindo entre amontoados de espigas de milho, rêdes, ferramentas e tôda sorte de quinquilharias que por ali se acumulavam .
Os sótãos costumavam ser um tanto solitários ; mas apreciar do alto a mansidão de chuvas sobre gerânios ao redor da casa, incitava à poesia.
Mais ainda, quando os degraus de escadas conduziam conhecidos cheiros de café recém coado e vozes abafadas , em torno de fogões à lenha, proferindo frases tentadoras:
-“Café tá na mesa,piazada !”
E hoje tem bolinho de chuva, pão fresco e doce de pera.
Não se demorem !
Cartinhas de namoradas, gibis ou algumas revistinhas "um tanto mais ousadas", eram relegadas à segundo plano por conta do atendimento àqueles irrecusáveis convites.
Em meus tempos de menino ambos - sótão e paiol -puseram-se à minha disposição, e eu os desfrutei da melhor maneira possível.
O tempo correu, a antiga casa com sótão cedeu lugar à outra, um pouco mais atualizada, mas o paiol !...
Êste continuou a existir.
Por decisão de meu pai, caboclo da gema, edificara-se ao fundo do quintal uma rústica construção com serventia para garagem , casa do forno, e um compartimento para os “guardados” , que na verdade não passavam de velharias sem muita utilidade ,mas impregnadas de grandes histórias , na sua concepção.
Assim, entre as laranjeiras, paredes rotas de madeira, e duas cumeeiras relativamente altas com pequenas janelas passaram a espiar: de um lado , o movimento intenso de uma rodovia. De outro, o bucolismo dos campos, a torre da capelinha , o lento sobe e desce das pessoas na ladeira de pedras e , o cemitério com seus vitrais refletindo cores melancólicas nos últimos raios do sol da tarde.
Foi ali que aos poucos fui acumulando também os “meus guardados”.Na pouca luminosidade do ambiente ,reservei espaço para meus trabalhos em madeira e numa mesa proxima à janela que dava para a rodovia rabisquei a grande maioria dos textos que postei aqui no recanto.
Muitos de meus manuscritos acham-se ainda espalhados pela minha pequena marcenaria. Poeira e serragem dividem espaços com alguns arabescos que traçei em folhas de cadernos.
Esta crônica, com sabor nostálgico, à mim provoca um travo de despedida. Até porque , o paiol de meus isolamentos está sendo demolido. À esta altura não mais existe espaço para edificação de outro, e nem teria cabimento.Afinal,paióis nos dias atuais, representam tão somente o símbolo das antigas e pacatas aldeias.
Resta-me a credencial de ter sido nesta vida um aldeão.
E, como tal, com direito à usufruir de sótão e paiol .
E foi nêles que a vida ensinou-me a faina de armazenar ilusões, sonhos, esperanças... E até , uma certa dose de poesia.
Frank, meu fiel companheiro, que ainda não assimilou muito bem a idéia da demolição, sabe perfeitamente do que estou falando.
Texto reeditado.
Preservados os comentários ao texto anterior:
17/02/2012 23:46 - Inês Nery
Muito bonito o seu text... parece com os pensamentos que tenho também em relação ao lugar que nasci e invadido pelos famigerados olhos da ambição, que nada respeitam. Obcecados que estão pelo "construir", destroem o que jamais deveriam. Lindo! "o seu Paiol"
Para o texto: O PAIOL (T3505601)
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17/02/2012 23:38 - Inês Nery
Tempo: Construtor e destruidor de tudo. Difícil é nos adaptarmos às suas surpreendentes e constantes transformações. Algumas até que são boas, confesso!... Mas há entre tantas, muito que se pudéssemos brigaríamos para que nos devolvesse.Mas ele é mestre! Faz como bem quer: Traz o novo e deixa velho; escreve páginas que lemos, por não podermos rasga-las!... Eu li uma página tão triste!... que pra mim ele escreveu... que até hoje não esqueço nem o fim nem o começo, mas agradeço a lição difícil que eu aprendi... Hoje me sinto mais forte e descobri como posso defender-me das milhares e constantes agressões.
Para o texto: O PAIOL (T3505601)
19/02/2012 21:56 - Chico Chicão
Meu caro Joel das belezas polacas de Irati e do meu Paraná querido.O texto é lindo! Mas...fiquei observando a cara do cachorro na foto.Parece que ele olha para um lugar distante,lugar em a Saudade foi morar.E junto aquelas tranqueiras de gostosuras infantis/adolescentes.É bom te ler,Joel.Faz bem à Alma e o coracão se alegra de Saudades.Obrigado pelas palavras,amigo.Fique na paz!
19/02/2012 18:23 - Carlinhos Colé
Caro Joel, moro num polo industrial e por aqui os últimos paióis há muito que se perderam nos longes do tempo, resistem ainda na memória de alguns senhores de cabeça branca (como a minha). Mas eu os conheci e também me aguaritei nos mesmos para minhas traquinagens. Por aqui eram construções pequenas em madeira e suspensas cerca de um metro do chão, sobre esteios de aroeira. Por curiosidade perguntei à minha filha Izabela, de 19 anos, se ela sabe o que é um paiol. Disse que não, mas já ouviu essa palavra não sabe onde. Aproveitei para dar-lhe uma aula de "História Antiga" Rsrsrsrsrs. (Mostrei-lhe as suas fotos, ela gostou especialmente do Frank que se parece com o nosso falecido Rex)... Mas só a palavra paiol já evoca uma saudade!
19/02/2012 09:41 - Maria Mineira
Ô Joel, não imagina como essa palavra fez parte de minha infância. Infelizmente já foram demolidos e deles não resta nem sombra. Era no paiol que vovô ia debulhando milho e contando histórias pros netos, era ali que pegávamos milho escondido da vó para jogar para as galinhas, assim elas nos seguiam o dia todo,alí ficama as abóboras maduras,você me fez lembrar que um dia,numa brincadeira de pique esconde, um primo escondeu numa caixa velha de madeira que ficava no paiol, acredita que só lembramos dele tardão da noite? Aí fomos lá correndo abrir a caixa que trancamos por fora,ele dormia. Ainda bem que a caixa era toda furada senão ele teria morrido asfixiado. Que bomr ter tido infância assim né? Suas histórias e fotos são lindas! Obrigada por nos transportar para uma época feliz. Abraço grande.
19/02/2012 01:58 - Lenapena
Em minha infância nossa casa tinha um paiol, alias fazia tempo que não escutava dizer essa palavra: Paiol, acho até que os mais jovens, nem sabe do que se trata, rsss. Eu, adorava ficar lá em nosso paiol, debulhando um jacá de milho, que meu pai, me deixava por tarefa da semana. Ah, suas escritas já disse tantas vezes a vc, me traz tanta lembrança boa e saudosa. Um presente vir aqui. Um bom carnaval.
18/02/2012 18:44 -
Amigo Joel.Não sei se é a mesma coisa, mas aqui no Rio se chamava Galpão.Lugar onde guardava-se ração para os porcos e galinhas e também velhas ferramentas, enxadas, etc...Hoje também não mais existem, nem galpões, nem porcos, nem galinhas. Mas o texto foi muito bem alinhavado, como sempre. Abraços!
18/02/2012 15:19 - CEIÇA
Joel.Olá!!!Achei linda e nostálgica a tua cronica, paiol tem um que de misterios (para mos quando crianças)mas tem toda uma magia e uma saudades para nos adultos!!!Amei.....Um abraço Ceiça
18/02/2012 15:01 - Anita D Cambuim
Joel, boa tarde. As riquezas de cada um nos faz diferentes e são tempero para o que escrevemos, e a sua crônica esta muito bem temperada!
18/02/2012 14:38 - Ione Rubra Rosa
oi,Joel. Ler você é sempre um encantamento.Seu belo texto só comprova que a felicidade está na simplicidade da vida.Amei.bjs no coração
Diário de minhas andanças ( 13/11/2009)
Sótãos e paióis sempre foram palcos de encenações à todos os meninos interioranos.
As paredes, geralmente escuras, agiam na cumplicidade de histórias onde os personagens oscilavam de anjinhos à pervertidos .
[Ou,quase]
Nada mais animado que uma guerra de sabugos,ao som das jornas em dias chuvosos nos interiores de paióis.
As grandes descobertas , e algumas surpresas, surgindo entre amontoados de espigas de milho, rêdes, ferramentas e tôda sorte de quinquilharias que por ali se acumulavam .
Os sótãos costumavam ser um tanto solitários ; mas apreciar do alto a mansidão de chuvas sobre gerânios ao redor da casa, incitava à poesia.
Mais ainda, quando os degraus de escadas conduziam conhecidos cheiros de café recém coado e vozes abafadas , em torno de fogões à lenha, proferindo frases tentadoras:
-“Café tá na mesa,piazada !”
E hoje tem bolinho de chuva, pão fresco e doce de pera.
Não se demorem !
Cartinhas de namoradas, gibis ou algumas revistinhas "um tanto mais ousadas", eram relegadas à segundo plano por conta do atendimento àqueles irrecusáveis convites.
Em meus tempos de menino ambos - sótão e paiol -puseram-se à minha disposição, e eu os desfrutei da melhor maneira possível.
O tempo correu, a antiga casa com sótão cedeu lugar à outra, um pouco mais atualizada, mas o paiol !...
Êste continuou a existir.
Por decisão de meu pai, caboclo da gema, edificara-se ao fundo do quintal uma rústica construção com serventia para garagem , casa do forno, e um compartimento para os “guardados” , que na verdade não passavam de velharias sem muita utilidade ,mas impregnadas de grandes histórias , na sua concepção.
Assim, entre as laranjeiras, paredes rotas de madeira, e duas cumeeiras relativamente altas com pequenas janelas passaram a espiar: de um lado , o movimento intenso de uma rodovia. De outro, o bucolismo dos campos, a torre da capelinha , o lento sobe e desce das pessoas na ladeira de pedras e , o cemitério com seus vitrais refletindo cores melancólicas nos últimos raios do sol da tarde.
Foi ali que aos poucos fui acumulando também os “meus guardados”.Na pouca luminosidade do ambiente ,reservei espaço para meus trabalhos em madeira e numa mesa proxima à janela que dava para a rodovia rabisquei a grande maioria dos textos que postei aqui no recanto.
Muitos de meus manuscritos acham-se ainda espalhados pela minha pequena marcenaria. Poeira e serragem dividem espaços com alguns arabescos que traçei em folhas de cadernos.
Esta crônica, com sabor nostálgico, à mim provoca um travo de despedida. Até porque , o paiol de meus isolamentos está sendo demolido. À esta altura não mais existe espaço para edificação de outro, e nem teria cabimento.Afinal,paióis nos dias atuais, representam tão somente o símbolo das antigas e pacatas aldeias.
Resta-me a credencial de ter sido nesta vida um aldeão.
E, como tal, com direito à usufruir de sótão e paiol .
E foi nêles que a vida ensinou-me a faina de armazenar ilusões, sonhos, esperanças... E até , uma certa dose de poesia.
Frank, meu fiel companheiro, que ainda não assimilou muito bem a idéia da demolição, sabe perfeitamente do que estou falando.
Texto reeditado.
Preservados os comentários ao texto anterior:
17/02/2012 23:46 - Inês Nery
Muito bonito o seu text... parece com os pensamentos que tenho também em relação ao lugar que nasci e invadido pelos famigerados olhos da ambição, que nada respeitam. Obcecados que estão pelo "construir", destroem o que jamais deveriam. Lindo! "o seu Paiol"
Para o texto: O PAIOL (T3505601)
Responder | Apagar | Bloquear
17/02/2012 23:38 - Inês Nery
Tempo: Construtor e destruidor de tudo. Difícil é nos adaptarmos às suas surpreendentes e constantes transformações. Algumas até que são boas, confesso!... Mas há entre tantas, muito que se pudéssemos brigaríamos para que nos devolvesse.Mas ele é mestre! Faz como bem quer: Traz o novo e deixa velho; escreve páginas que lemos, por não podermos rasga-las!... Eu li uma página tão triste!... que pra mim ele escreveu... que até hoje não esqueço nem o fim nem o começo, mas agradeço a lição difícil que eu aprendi... Hoje me sinto mais forte e descobri como posso defender-me das milhares e constantes agressões.
Para o texto: O PAIOL (T3505601)
19/02/2012 21:56 - Chico Chicão
Meu caro Joel das belezas polacas de Irati e do meu Paraná querido.O texto é lindo! Mas...fiquei observando a cara do cachorro na foto.Parece que ele olha para um lugar distante,lugar em a Saudade foi morar.E junto aquelas tranqueiras de gostosuras infantis/adolescentes.É bom te ler,Joel.Faz bem à Alma e o coracão se alegra de Saudades.Obrigado pelas palavras,amigo.Fique na paz!
19/02/2012 18:23 - Carlinhos Colé
Caro Joel, moro num polo industrial e por aqui os últimos paióis há muito que se perderam nos longes do tempo, resistem ainda na memória de alguns senhores de cabeça branca (como a minha). Mas eu os conheci e também me aguaritei nos mesmos para minhas traquinagens. Por aqui eram construções pequenas em madeira e suspensas cerca de um metro do chão, sobre esteios de aroeira. Por curiosidade perguntei à minha filha Izabela, de 19 anos, se ela sabe o que é um paiol. Disse que não, mas já ouviu essa palavra não sabe onde. Aproveitei para dar-lhe uma aula de "História Antiga" Rsrsrsrsrs. (Mostrei-lhe as suas fotos, ela gostou especialmente do Frank que se parece com o nosso falecido Rex)... Mas só a palavra paiol já evoca uma saudade!
19/02/2012 09:41 - Maria Mineira
Ô Joel, não imagina como essa palavra fez parte de minha infância. Infelizmente já foram demolidos e deles não resta nem sombra. Era no paiol que vovô ia debulhando milho e contando histórias pros netos, era ali que pegávamos milho escondido da vó para jogar para as galinhas, assim elas nos seguiam o dia todo,alí ficama as abóboras maduras,você me fez lembrar que um dia,numa brincadeira de pique esconde, um primo escondeu numa caixa velha de madeira que ficava no paiol, acredita que só lembramos dele tardão da noite? Aí fomos lá correndo abrir a caixa que trancamos por fora,ele dormia. Ainda bem que a caixa era toda furada senão ele teria morrido asfixiado. Que bomr ter tido infância assim né? Suas histórias e fotos são lindas! Obrigada por nos transportar para uma época feliz. Abraço grande.
19/02/2012 01:58 - Lenapena
Em minha infância nossa casa tinha um paiol, alias fazia tempo que não escutava dizer essa palavra: Paiol, acho até que os mais jovens, nem sabe do que se trata, rsss. Eu, adorava ficar lá em nosso paiol, debulhando um jacá de milho, que meu pai, me deixava por tarefa da semana. Ah, suas escritas já disse tantas vezes a vc, me traz tanta lembrança boa e saudosa. Um presente vir aqui. Um bom carnaval.
18/02/2012 18:44 -
Amigo Joel.Não sei se é a mesma coisa, mas aqui no Rio se chamava Galpão.Lugar onde guardava-se ração para os porcos e galinhas e também velhas ferramentas, enxadas, etc...Hoje também não mais existem, nem galpões, nem porcos, nem galinhas. Mas o texto foi muito bem alinhavado, como sempre. Abraços!
18/02/2012 15:19 - CEIÇA
Joel.Olá!!!Achei linda e nostálgica a tua cronica, paiol tem um que de misterios (para mos quando crianças)mas tem toda uma magia e uma saudades para nos adultos!!!Amei.....Um abraço Ceiça
18/02/2012 15:01 - Anita D Cambuim
Joel, boa tarde. As riquezas de cada um nos faz diferentes e são tempero para o que escrevemos, e a sua crônica esta muito bem temperada!
18/02/2012 14:38 - Ione Rubra Rosa
oi,Joel. Ler você é sempre um encantamento.Seu belo texto só comprova que a felicidade está na simplicidade da vida.Amei.bjs no coração