IDENTIDADE
Saiu do trabalho com o pensamento cansado. Havia trabalhado intensamente naquele dia. Quando chegou à porta do ônibus ouviu o monitor informar sobre um acidente.
– Houve um acidente muito grave próximo ao trevo – disse o monitor – parece que o carro até pegou fogo – concluiu.
– Realmente naquele lugar acontecem muitos acidentes – respondeu – depois das obras de duplicação da rodovia tem acontecido ainda mais, devido a má sinalização – terminou.
Continuou sua viagem sem pensar mais no assunto. Chegando ao ponto que iria descer viu muita fumaça. Agora, presumiu, realmente foi um acidente grave. O trânsito estava começando a parar.
– Enganei – disse ao monitor – naquele ponto específico do acidente não há má sinalização, pode ter sido por outro motivo – concluiu.
Foi para casa com o pensamento no acidente. Naquele mesmo lugar seu irmão havia sofrido um outro acidente sem consequências graves. E próximo dali havia perdido um primo, agora em um acidente trágico.
As horas foram passando e transito parado. Barulho? Somente de sirene de bombeiro e nada mais.
Foi sentindo as dores da família de quem havia se envolvido no acidente. Teria pai, mãe? Teria esposa, filhos?
Abriu mensagens e vídeos do WhatsApp e viu que, realmente, o acidente havia sido grave. O caminhão havia perdido os freios e o motorista, consequentemente, não conseguira controlar o caminhão.
Rezou intimamente pela família do motorista. Fosse quem fosse, que tivesse tranquilidade para aceitar aquela notícia tão avassaladora.
Sentiu que o transito voltava ao normal pelo barulho de motores ligando e de buzinas estridentes. Assim, passou a noite.
Foi para o trabalho, novamente, ao nascer do sol. Manteve seu dia ocupado e não pensou mais no assunto. Lembrou-se uma ou duas vezes do acidente e nada mais.
Novamente no ônibus, conversou com as colegas sobre o acidente.
– Vocês viram o acidente ontem? – disse.
– Sim, vimos. Foi bastante grave – assentiram.
– Realmente – respondeu – fiquei impressionada com a fumaça e com o tempo que o transito ficou parado – disse à colega.
– É verdade – concordou – mas o que me impressionou foi o fato de que o motorista foi jogando pela janela os seus pertences – finalizou.
Teve um sobressalto. Qual seria o pensamento do motorista? O que será que ele queria deixar vivo?
– Ele jogou pela janela a carteira de habilitação e alguns outros documentos – informou a colega – até uma Bíblia foi arremessada pela janela – concluiu.
Imaginou a dor daquele motorista ao ter noção de que estaria perdido. A certeza de que sua vida poderia estar no fim. Como seria identificado? Comoveu-se com aquele pensamento.
Sentiu nos olhos da colega uma lágrima que quis sair, mas foi contida.
Teve o mesmo sentimento. Tocou em seu coração o pensamento de que aquele motorista queria manter viva a sua história. Que alguém o reconhecesse de alguma forma. Que fosse possível ter reconhecida sua própria identidade.
Conteve sua emoção.
A vida era pura transitoriedade. Concluiu.