Numa livraria

Poesia na livraria

Entrei na Barata.

É uma livraria simpática situada na avenida de Roma, em Lisboa. Vagueei pelas mesas com livros expostos ao olhar e ao tacto, detendo-me junto de poemas enjaulados (Que será dos poemas sem a voz de um corpo?...). Eugénio de Andrade dominava o espaço, pois os despojos da sua morte ainda estavam por ali; há que aproveitar e vender, claro. A morte também é um bem e num tempo em que tudo é compra e venda, a mercadoria das palavras também vende. Poderia lá ser de outro modo.

Eugénio de Andrade não escrevia para a posteridade; gostava de ser lido em vida. Ele dizia isso. Quem não tem esse desejo? Poucos e os hipócritas. Os génios?... Deixá-los onde quer que estejam. Não é génio quem quer mas aquele que o tempo impõe. Ele é o supremo juiz, não o espalhafato em prol deste ou daquele conforme a capelinha ou clã a que pertence. Eugénio não precisou de igrejinhas, a sua voz impôs-se por si própria, por ser uma voz que fala sem desprezar o silêncio, a pausa, a melodia e o timbre.

Deambulei um pouco mais.

Ao fundo, um amontoado de livros de rabo para o ar agrediu-me os olhos e a alma. “Outlet – 70%”. Era o crematório da livraria. Livros expostos numa pilha horizontal desorganizada. Passei rápido pelas lombadas. Não indicavam existência de poemas, nem bons nem maus.

Que sintoma? Que leitura? Tudo o que dissesse não passaria de especulação. Mas aquele arrazoado de moribundos gritava-me no rosto bofetadas de raiava – eram muitas árvores a menos e dizemos nós gostar de poesia.

Saí.

"Nas palavras

Respiro a terra nas palavras,

no dorso das palavras

respiro

a pedra fresca da cal;

respiro um veio de água

que se perde

entre as espáduas

ou as nádegas;

respiro um sol recente

e raso

nas palavras,

com lentidão de animal."

Eugénio de Andrade

Poeta português falecido este ano.

2005