Cada qual é cada um

Minhas expectativas do que poderia ocorrer de insólito na política deste país há muito que foram superadas. Rio, um riso triste, das minhas ideologias juvenis. Levaram-me a uma analogia tragicômica: o cão raivoso que corre agressivo atrás do automóvel até que este pare e aí não há a menor possibilidade de ataque. Cara de tacho é a que mostro hoje. Bom! Pelo menos consegui aceitar que estava enganado quanto a muita coisa, enquanto muitos ainda perseguem inutilmente suas sombras voláteis. De certa forma é confortável atribuir à desafetação da pouca idade a idiotice de haver defendido certa sigla, certos nomes que tanto me desgostam. Dos heróis da minha juventude só não me decepcionaram os morreram precocemente, o que me leva a depreender que esta é a razão dos jovens de hoje se apegarem tanto à figura ridícula do Batman? Pelo menos, ele nunca morre, e por mais que realize suas “bidaleiras” peripécias, seus voos mirabolantes, o herói morcego em nada afetará suas vidinhas cômodas e descomprometidas com a realidade em que estamos afundados.

Como explicar esse nosso momento de comunicação farta e conhecimento escasso? Que a palavra, na medida em que vai progressivamente se valendo dos meios eletrônicos, vai se esvaziando de sua graça? Que uma obra literária tanto mais vale quanto mais é sumária e, consequentemente, desprovida do cerne de seu encanto que são os singelos meandros da poesia nelas incrustada? Será por que o nosso tempo é cada vez mais curto? Deve ser! Mas já estão estudando uma maneira de criar um dia de vinte e cinco horas, “um recursim de minguá a toada da Terra”.

Saca nada heim, véi? Diz, depois de tirar os olhos do visor e o fone dos ouvidos, o jovenzinho cego e surdo com quem tenho uma colisão frontal numa calçada do Centro. Sacanagem, aí! Foi mal, bicho! Eu respondo com afetada subserviência. Com essa gente ligada que tem resposta pra tudo é sempre melhor se desculpar de maneira humilde em vez de engrossar e ter que sair pela tangente. Já tive dezessete anos e sei que nessa fase a gente sempre está com a razão. E olha que no meu tempo ainda existia uma coisa chamada respeito pelas pessoas, mormente com as de mais idade.

Dia desses uma dessas figurinhas, futuro da nossa nação e tranquilidade de nossos ossos cansados, confessou-me cheia de orgulho que jamais leu um livro na vida. Em resposta eu só repliquei que mantenho uma média de trinta e cinco páginas por dia, um livro por semana, quatro por mês, cinquenta e dois por ano. Arr! Ele treplicou eloquentemente.

Cada qual é cada um. E mesmo sem poder afirmar se é regra ou exceção, posso também dar testemunho de jovens que ainda cultivam o hábito da leitura, o respeito pelos outros e idealizam heróis de pé no chão que, por incrível que pareça, também ainda vicejam por aí. Daí a minha esperança de que o Brasil ainda tem jeito.

Carlinhos Colé
Enviado por Carlinhos Colé em 28/08/2017
Código do texto: T6097143
Classificação de conteúdo: seguro