"Poesia é infância amadurecida"
O poeta, esse ente tão demente, anda por aí procurando leitores/ouvintes, alguns colhendo frustrações rendosas de bons/razoáveis/péssimos poemetos, sentenças de liberdade, caduquicidade ou até elementos linguísticos teratogênicos, isto é, aberrações que justificam a fé na imaginação. Andei curiando o ambiente literário poético visível no último dia do Agosto das Letras, projeto da Fundação Espaço Cultural, neste domingo, 20 de agosto. Curiando com compadres feito José Dantas, de Pombal, sertanejo que me explicou o significado desse “curiar”: espiar, observar. É como se fala na sua quebrada. Por quase imposição da Academia de Cordel do Vale do Paraíba, da qual sou membro, levei uns folhetos pra feira de cordel, conheci novos e velhos cordelistas, cabras bons de usar a imaginação simbólica para explicar ciência, feito J. Lima, outros que até reinventam o cordel, alguns useiros e vezeiros na mídia eletrônica, sujeitos que se libertaram da plataforma de papel nas redes sociais e nos canais da cibercultura, enfim, a literatura de cordel tentando se globalizar e vencer os preconceitos.
Fora da tribo dos poetas de cordel, gostei do debate com o poeta Sérgio de Castro Pinto. O professor Pinto levou um bate-papo mediado por Lau Siqueira e Jamarri Nogueira, ele que foi o homenageado deste ano no Agosto das Letras. Sérgio é uma figura! Da parede do sanitário do Espaço Cultural, anotei uma frase: “Pela volta dos ideais perigosos!” Na palestra, Sérgio de Castro Pinto falou sobre um poema seu que foi censurado pela ditadura dos generais na década de setenta. Em dado momento de leve fúria cívica, o poeta bradou: “Este Brasil vai muito mal, com essa gang que nos governa!” Aproveitou para mexer com as raízes de antigos mitos. Modernidade? O que é isso? Só porque você anda disputando mercado com neo-modernos faz de você um modernista? Sérgio vai na jugular de mitos: “Quem falou que Raul Bopp e Menotti Del Picchia são modernistas, só porque participaram da Semana de 22?”
Poesia provoca uma revolução silenciosa dentro do leitor, acredita Sérgio de Castro Pinto. A poesia deveria ser alimentação básica das crianças. “Poesia é infância amadurecida”. Na dinâmica máquina do capitalismo alienante, poesia quase não entra no cardápio. “Minha poesia é contemporânea”, ouvi de um jovem poeta presente. Achei graça na sua certeza de estar realizando uma revolução estética pessoal. Mais um antinaturalista, igual à mocinha de outro debate ao lado, sobre histórias em quadrinho, confessando que ficou nua em uma bienal de artes “pra chocar”.
Gritos constrangedores de um palhaço que animava um bando de crianças ao lado do auditório onde Sérgio de Castro Pinto tentava se fazer entender. Poesia difusa. Algum ser iluminado pensou em como seria, digamos, “moderno” organizar um debate sobre literatura ao lado de um show de palhaços. Aproveitei e fui visitar o caminhão da biblioteca volante do Sesc, onde deixei alguns dos meus livrinhos. Nenhum visitante nos dois caminhões de livros. O único livreiro presente no evento lastimava a falta de público. Os cordelistas venderam poucos folhetos e partiram para suas quebradas meio que conscientes de que sua arte ainda é muito mal vista pelos “modernistas” e pretensos donos do imaginário brasileiro. Mas, ainda dispostos a resistir, se transformar, nascer de novo sempre.