kIRIBATI
Existe algo que me incomoda um pouco nos cumprimentos cotidianos, mais especificamente no “Como você está?”. Não, não é que eu me sinta incomodado quando as pessoas me perguntam isso. Eu seria um grosseiro se me sentisse assim, o que me ataca com esse tipo de pergunta é: o quão raso é a sua significância pra quem pergunta? Além de claro, a conveniência em sua resposta: “estou bem, e você?”.
Bom, não sei se você leitor, conseguiu me entender até agora. Provavelmente tenha começado a ler e concluído que falei pouco, mas falei bobagem. Entretanto, se chegou até aqui deixe que me explique.
Imagine a seguinte cena: a “pessoa número um” vem caminhando de um lado na calçada; Enquanto a “pessoa número dois” vem do lado oposto. Elas se conhecem, quando o cruzamento entre as duas está para acontecer uma diz: “oi, tudo bem?”, ao que a outra instantaneamente responde “olá, tudo ótimo, e você?”, a resposta da primeira é; como vocês já devem ter suposto, um breve “tudo bem”. Ambas sorriem e seguem cada qual para o seu lado.
Perceberam a superficialidade nisso tudo? Claro que a pessoa nunca responderá: “não, está tudo péssimo!”. Seria talvez uma grosseria diante das convenções sociais, mas existem algumas situações em que as pessoas assumiriam seu estado de angústia perante os acontecimentos da vida, vou lhes apresentar alguns:
1-O time do conhecido que você encontrou na rua perdeu para o último colocado. Você perguntaria: “tudo bem?”. Ele logo diria que não, seguida de uma resposta que agride a genitora do árbitro da partida. Ou, alegando qualquer mudança climática que tenha contribuído para tal fatalidade.
De todo modo, se o time dele já é o último colocado e perdeu mais uma, ele responderá que “não está tudo bem”, mas a sequência do diálogo será diferente. Pensamentos positivos de que eles (o clube, a torcida, o maqueiro, o massagista; e talvez até o cambista), conseguirão sair dessa.
Em ambas as ocasiões, você irá dizer algo como “eita”; “nossa”; “poxa”. Seguirá seu caminho, pensando se o tal árbitro sabe desses podres de sua mãe.
2- Mesma situação da anterior. O tal conhecido que você encontrou está chateado, pois a desculpa sobre seu primo de trigésimo grau ter morrido não colou com o chefe; e ele terá que voltar ao trabalho após o almoço.
Sobre seu questionamento se ele está bem, ele responderá que “sim”, depois vai suspirar e dizer: “na verdade nem tudo”. Vai contar sobre o acontecido, sobre o primo (como quem quer convencer alguém que realmente sentirá falta do parente, apesar de saber que esse primo não existe). E lhe contará a resposta do chefe, que ao saber da morte do tal primo de trigésimo grau, respondeu: “parente de longe é igual ser feio e ter olho azul; tem ligação com você, mas não ajuda em nada”.
Nessa situação você retomará as velhas: “Eita”, “Nossa”, “Poxa”. E continuará tentando se lembrar de pessoas feias com olhos claros.
3- Ainda na mesma situação: encontra o conhecido, pergunta se ele está bem; tudo normal. Mas, neste caso ele havia acabado de lembrar que esqueceu a toalha molhada em cima da cama (sua esposa já havia lhe avisado que da próxima vez a tal toalha seria usada como arma de crime para asfixiar alguém). Bom, você pergunta se ele está bem, ele está visivelmente chateado, diz que não está bem. Alega ser um bom marido, e lhe entrega uma carta, dizendo– lhe que a carta só deve ser aberta se ele não entrar em contato nas últimas 24 horas. Logo, puxa am assunto sobre fugir para o Kiribati.
Você dá as mesmas respostas anteriores - sim, é tudo genérico, e superficial, lembra? - e segue seu caminho, mas aí lembra que deixou a toalha na cama. Começa a preparar a carta que dará ao próximo conhecido que encontrar na rua. Logo em seguida começa a pensar que ir ao Kiribati, talvez não seja assim tão ruim. Embora você não faça ideia de onde fica o Kiribati.
Voltando à superficialidade do cumprimento.
Acho que é essa coisa de mundo moderno. As pessoas se veem na rua já calculando quanto tempo perderão numa conversa trivial. Pensam que poderiam usar esse tempo com estudos, trabalho, pesquisa pra cura do câncer, mas, na verdade usam o tempo livre para ver qualquer outra banalidade. Tal como pesquisar na internet pessoas feias com olhos claros; algum artigo sobre a genitora do juiz do final de semana, ou como reagir a algum ataque cujo a arma é uma toalha molhada.
Por falar nisso, eu estou bem, obrigado! Espero que vocês também estejam bem, mas é que agora preciso ir, tenho que, é, hãm, preciso encontrar uma solução para a miséria no mundo!
Google >Onde fica o Kiribati?>Pesquisar.