Ele tem andar de gato...
Nos anos 60 houve uma revolução nos meios cinematográficos com o surgimento dos “spaghetti western” , “faroeste espaguete” ou “bang-bang macarrônico”, subgênero western de produção italiana muitas vezes com a participação de atores famosos mesmo em início de sua carreira e que mais tarde viriam se tornar estrelas internacionais, como Clint Eastwood, Charles Bronson, Yul Brynner, Claudia Cardinale, Chuck Norris, Henry Fonda, Giuliano Gemma, Terence Hill, Toshiro Mifune, Ricardo Montalban, Jack Palance, Burt Reynolds, Bud Spencer, Gian Maria Volonté e Orson Welles, dentre outros, filmados na Itália ou na Espanha.
E nos maravilhávamos com a sucessão de Djangos, Sartanas, Alleluja, Sabatas e Trinitys que, ao som dos maravilhosos acordes de Ennio Morricone em “Por um punhado de dólares”, “Por alguns dólares a mais”, “O bom, o mau e o feio”, com um único tiro disparado logravam atingir e neutralizar inúmeros de seus oponentes, sobretudo por autoria do herói que faz justiça pelas próprias mãos. Nesse contexto também aparece a presença constante do duelo, frequentemente no fim do filme, o verdadeiro ápice de toda a história, em substituição aos previsíveis originais western americanos que mais se dedicavam a abater os indígenas nativos nos anos 50.
Típicos do gênero são também os títulos, particulares e quase falantes das verdadeiras e próprias frases que espelham os estereótipos das películas como que inseridas no roteiro de forma despretensiosa, mas que tinham um impacto marcante em todos, como a que tomamos para título dessa crônica e que Gugu adorava, sei lá porque:
Ele tem andar de gato, sinal que é um bom pistoleiro...
Luiz Augusto de Lima Freitas, o Gugu, era portador de uma insuficiência cardíaca, diziam, o que o impossibilitava de acompanhar seus amigos contemporâneos nas tantas atividades comuns aos de sua idade, sempre acompanhado de perto pelos olhares diligentes de seus pais, Dr. Luiz de Freitas e esposa, ele competente advogado e Deputado Estadual, além de por sua irmã que o precedeu, Bete, a qual, devo confessar, respeitosamente meu primeiro amor platônico e infantil ao divisá-la como a mais perfeita materialização da Branca de Neve dos contos dos irmãos Grimm e imortalizada por Disney.
Soubessem eles o que Gugu aprontava quando longe de seus olhos atentos... Para compensar o obrigatório distanciamento de seus amigos, passou a desenvolver suas aptidões natas e tornou-se exímio no manejo e arremesso de facas, arco e flecha, machadinhas, estilingue,na preparação de armadilhas e no cavalgar cavalos em pelo, sem arreios, como se um índio dos filmes que assistíamos.
Com extrema perícia, manejava seu “tomahawk” – afiada machadinha de guerra a exemplo dos indígenas americanos – decapitando à distância e com precisão cirúrgica os pescoços dos frangos que seriam servidos no almoço de domingo na casa de seus pais; de outra forma, os abatia com certeiras flechadas ou até mesmo com as pedras que sabia atirar com absoluta pontaria com sua seta de ganchos colhidos no morro do cemitério.
As flechas de seu arco, levadas displicentemente penduradas ao ombro acomodadas em uma aljava de couro, eram milimetricamente preparadas com a guaxuma colhida próximo ao campo do Ypiranga, com pontas de prego ou tradicionais a depender de suas finalidades e com duas penas de algum galináceo na outra extremidade. E Gugu era certeiro com elas, nunca o vi perder uma única flechada... Quando não muito propenso a ver sangue ou então por ímpetos de complacência, somente capturava os frangos ou outros animais em suas armadilhas de laços que sabia montar como poucos, um autêntico silvícola e afeto à vida dita selvagem.
Gugu, quando distante dos olhos inquisidores de seus pais ou de adultos, também era um pesquisador nato, sempre em busca de novas experiências. Mesmo que hoje sejam condenadas tais excentricidades e com ele próprio se tornado um ardente defensor das causas animais, deve-se a ele as anotações sobre as reações de um apavorado gato preso na jaula em que preservava uma jaguatirica faminta que ele caçara, até o presumível fim do primeiro felino. De outra forma, muitas tardes passamos eu, ele e Cláudio Mileipe em experiências químicas extraídas dos livros que Nogueirinha nos emprestava.
Taciturno e por não encontrar diversão nas atividades que desenvolvíamos, preferia refugiar-se no Sítio Boa Esperança, contíguo à linha ferroviária e próximo da hidroelétrica, junto a seus bons amigos Antonio Joaquim e irmãos, onde podia dar vazão livre a seus ímpetos de uma vida ao ar livre, cavalgando os cavalos no pelo e caçando passarinhos e animais na matinha, bebendo a garapa moída na hora.
Distanciamo-nos cedo, já que fui trabalhar em cidades distantes e Gugu ingressou na faculdade onde se formou, notabilizando-se no exercício de sua profissão e passando algumas décadas sem nos vermos, exceto por ocasião das festividades de nossa cidade, quando nos reencontrávamos e matávamos ao menos uma parte dessa saudade que sempre se guarda de bons amigos como ele. Rememoramos os tantos momentos vividos, os tantos incidentes que permeiam nossas existências e que se constituem em nossas melhores lembranças, como o da vez em que ele e Cláudio me abandonaram desacordado no túnel formado pelas árvores atrás da casa do Ciro Pitanga, após um fenomenal tombo ao me balançar em um cipó que se rompeu, encobrindo-me com folhas ao julgarem que tivesse morrido e ambos fugindo.
Contudo, a citação acima, adaptada, bem serve para demonstrar o quanto o estimo, admiro e respeito, pois o define com exatidão, grande amigo que é e de quem guardo as melhores lembranças:
Ele tem andar de gato, sinal que é um bom companheiro...
E nos maravilhávamos com a sucessão de Djangos, Sartanas, Alleluja, Sabatas e Trinitys que, ao som dos maravilhosos acordes de Ennio Morricone em “Por um punhado de dólares”, “Por alguns dólares a mais”, “O bom, o mau e o feio”, com um único tiro disparado logravam atingir e neutralizar inúmeros de seus oponentes, sobretudo por autoria do herói que faz justiça pelas próprias mãos. Nesse contexto também aparece a presença constante do duelo, frequentemente no fim do filme, o verdadeiro ápice de toda a história, em substituição aos previsíveis originais western americanos que mais se dedicavam a abater os indígenas nativos nos anos 50.
Típicos do gênero são também os títulos, particulares e quase falantes das verdadeiras e próprias frases que espelham os estereótipos das películas como que inseridas no roteiro de forma despretensiosa, mas que tinham um impacto marcante em todos, como a que tomamos para título dessa crônica e que Gugu adorava, sei lá porque:
Ele tem andar de gato, sinal que é um bom pistoleiro...
Luiz Augusto de Lima Freitas, o Gugu, era portador de uma insuficiência cardíaca, diziam, o que o impossibilitava de acompanhar seus amigos contemporâneos nas tantas atividades comuns aos de sua idade, sempre acompanhado de perto pelos olhares diligentes de seus pais, Dr. Luiz de Freitas e esposa, ele competente advogado e Deputado Estadual, além de por sua irmã que o precedeu, Bete, a qual, devo confessar, respeitosamente meu primeiro amor platônico e infantil ao divisá-la como a mais perfeita materialização da Branca de Neve dos contos dos irmãos Grimm e imortalizada por Disney.
Soubessem eles o que Gugu aprontava quando longe de seus olhos atentos... Para compensar o obrigatório distanciamento de seus amigos, passou a desenvolver suas aptidões natas e tornou-se exímio no manejo e arremesso de facas, arco e flecha, machadinhas, estilingue,na preparação de armadilhas e no cavalgar cavalos em pelo, sem arreios, como se um índio dos filmes que assistíamos.
Com extrema perícia, manejava seu “tomahawk” – afiada machadinha de guerra a exemplo dos indígenas americanos – decapitando à distância e com precisão cirúrgica os pescoços dos frangos que seriam servidos no almoço de domingo na casa de seus pais; de outra forma, os abatia com certeiras flechadas ou até mesmo com as pedras que sabia atirar com absoluta pontaria com sua seta de ganchos colhidos no morro do cemitério.
As flechas de seu arco, levadas displicentemente penduradas ao ombro acomodadas em uma aljava de couro, eram milimetricamente preparadas com a guaxuma colhida próximo ao campo do Ypiranga, com pontas de prego ou tradicionais a depender de suas finalidades e com duas penas de algum galináceo na outra extremidade. E Gugu era certeiro com elas, nunca o vi perder uma única flechada... Quando não muito propenso a ver sangue ou então por ímpetos de complacência, somente capturava os frangos ou outros animais em suas armadilhas de laços que sabia montar como poucos, um autêntico silvícola e afeto à vida dita selvagem.
Gugu, quando distante dos olhos inquisidores de seus pais ou de adultos, também era um pesquisador nato, sempre em busca de novas experiências. Mesmo que hoje sejam condenadas tais excentricidades e com ele próprio se tornado um ardente defensor das causas animais, deve-se a ele as anotações sobre as reações de um apavorado gato preso na jaula em que preservava uma jaguatirica faminta que ele caçara, até o presumível fim do primeiro felino. De outra forma, muitas tardes passamos eu, ele e Cláudio Mileipe em experiências químicas extraídas dos livros que Nogueirinha nos emprestava.
Taciturno e por não encontrar diversão nas atividades que desenvolvíamos, preferia refugiar-se no Sítio Boa Esperança, contíguo à linha ferroviária e próximo da hidroelétrica, junto a seus bons amigos Antonio Joaquim e irmãos, onde podia dar vazão livre a seus ímpetos de uma vida ao ar livre, cavalgando os cavalos no pelo e caçando passarinhos e animais na matinha, bebendo a garapa moída na hora.
Distanciamo-nos cedo, já que fui trabalhar em cidades distantes e Gugu ingressou na faculdade onde se formou, notabilizando-se no exercício de sua profissão e passando algumas décadas sem nos vermos, exceto por ocasião das festividades de nossa cidade, quando nos reencontrávamos e matávamos ao menos uma parte dessa saudade que sempre se guarda de bons amigos como ele. Rememoramos os tantos momentos vividos, os tantos incidentes que permeiam nossas existências e que se constituem em nossas melhores lembranças, como o da vez em que ele e Cláudio me abandonaram desacordado no túnel formado pelas árvores atrás da casa do Ciro Pitanga, após um fenomenal tombo ao me balançar em um cipó que se rompeu, encobrindo-me com folhas ao julgarem que tivesse morrido e ambos fugindo.
Contudo, a citação acima, adaptada, bem serve para demonstrar o quanto o estimo, admiro e respeito, pois o define com exatidão, grande amigo que é e de quem guardo as melhores lembranças:
Ele tem andar de gato, sinal que é um bom companheiro...