Diário de Sonhos - #117: Que Sensação Boa
Sonhei que estava em casa com meu irmão (que no sonho tinha uns dez anos de idade). Era noite e estávamos na sala, esperando minha mãe chegar do trabalho. Estava tudo escuro, todas as luzes apagadas. Apenas uma fraca luz entrava pela janela e iluminava o suficiente. Estávamos sentados no chão jogando algum tipo de game de cartas ou algo assim, mas era meio que misturado com jogo de damas. Não lembro direito. Eu estava perdendo, mas num vacilo do meu irmão visualizei uma jogada que acabaria com todas as suas cartas. Ouço um barulho vindo da cozinha. Olho pra lá. Apenas escuridão e silêncio. Olho para o chão de novo e o jogo mudou. Novamente meu irmão está na vantagem e eu não sei como ganhar. Lembro que devia ter tomado meus remédios há algumas horas. Na minha cabeça a voz grave e intimidadora do médico dizendo que eu não poderia atrasar um minuto sequer do remédio. Entro em desespero. São muitas caixas e não lembro quais eu deveria tomar. Resolvo tomar todos de uma vez e começo a me sentir triste.
Alguém bate na porta com força. É a minha mãe. Saio pelas portas do fundo e caminho pelo corredor da área externa até a porta de vidro que dá acesso ao quintal. Vejo um vulto muito alto e muito magro, bem mais alto que minha mãe. Na parte de cima da porta há uma fresta de uns dez centímetros. Vejo o rosto de minha mãe, estático e imóvel, sem expressão alguma. Apenas os olhos me fitando sem nunca piscar. E num piscar de olhos o vidro da porta se foi. Agora há grades no lugar do vidro. Minha mãe está normal, tamanho normal e seu rosto está normal. Não. Na verdade o rosto está pálido e ela diz que precisa entrar urgente. Atrás dela, onde deveria estar o portão da garagem, está tudo diferente. Não há mais laje. E também não há mais portão. No lugar do grande portão da garagem tem um monte de paus e troncos amontoados servindo de portão. Há uma fresta no lado esquerdo. E por esta fresta vejo um vulto se esgueirando pelo pequeno espaço. É todo negro e não consigo reconhecer seu rosto, mas sei exatamente o que é: um bandido! Minha mãe grita, dizendo que precisa entrar urgente. Eu me atrapalho com as chaves. Erro duas ou três vezes. O bandido passa pela barreira e se aproxima de minha mãe lentamente. Finalmente consigo abrir e ela entra. Fecho o portão com tudo e tranco. O bandido tenta me agarrar através da grade mas eu escapo. "Ele não consegue entrar. Eu tranquei, mãe!". Mas aí o bandido começa a rir e tira um grande molho de chaves do bolso. Todas as chaves são exatamente iguais às que eu usei pra trancar. Sem nunca tirar os olhos de mim e nunca parar de sorrir ele destaca uma das chaves e começa a destrancar o portão lentamente. Fujo pelo corredor e entro pela porta dos fundos. Tranco.
Estamos na cozinha, eu, meu irmão (que agora tem vinte anos de novo) e minha mãe. Estou com medo, mas ao mesmo tempo sinto crescer um ódio muito forte. Procuro nos armários e dou uma faca pra cada um. Eu fico com a faca de cabo branco, minha faca preferida. Lâmina forte e afiada. Volto para a sala, que tem uma porta que só abre por dentro. Elaboro um plano com minha mãe. O bandido vai tentar entrar pela porta dos fundos. Eu vou sair pela porta da sala e pegar ele pelas costas. Abro a porta e - surpresa! - o bandido está parado logo à frente, como se estivesse esperando eu abrir, uma arma apontando na minha cabeça. Num movimento muito rápido e muito preciso eu desvio o braço dele com uma mão e com a outra enfio a faca de cabo branco em sua barriga. Caímos no chão lutando. Ele tenta tirar a faca e eu tento pegar sua arma. Dou um murro eu sua cara e ele solta a arma. Chuto ela pra longe. Tiro a faca de sua barriga e a golpeio em seu crânio repetidamente. Estou tomado de raiva, tomado de ódio e medo. Um golpe mais furioso e decidido que o anterior. Lágrimas de ódio escorrem como cascatas de meus olhos. Quando finalmente paro e vejo o que fiz não me arrependo. Estou montado sobre um corpo preto, negro como carvão. Do pescoço para cima, onde antes havia uma cabeça, com olhos, boca, nariz e escárnio agora há apenas um amontoado de carne, ossos, massa encefálica e um líquido negro e denso como petróleo.
Saio para a rua e vejo algumas viaturas chegando. Aceno. Elas param e os policiais correm até minha casa. Reconheço dois deles, eles também trabalham como agentes de segurança no metrô. Explico o que aconteceu, o que eu fiz. Uma das policiais me trás um cobertor e pergunta se está tudo bem. Apesar de tudo me sinto confortável e feliz, tão feliz como nunca estive em minha vida. Eu apenas respondo "que sensação boa... que sensação boa..."
São Paulo, vinte e quatro de agosto de dois mil e dezessete.