Escuridão
Era pra ser um dia alegre, feliz, afinal, cantar sempre traz alegria à alma da gente e do outro, e iríamos cantar para deficientes visuais, o que seria uma missão nobre, gratificante, uma bênção de Deus!. No programa havia músicas que dilaceram o coração, mas, ainda assim, proporcionam boas lembranças. Remetem aos tempos da juventude. Remetem aos nossos tempos dourados . Dos namoricos . Das paixões avassaladoras. Dos bailes inesquecíveis . Com orquestra. Rostinho colado. Coração disparado . Tempos do descompromisso com a saudade, com o tempo.
Naquela manhã, havia me levantado muito cedo . Precisava, antes do compromisso com a música , ir à missa para agradecer a Deus e pedir sucesso em nossa missão. A missa demorou mais que o usual e fiquei preocupada. No fim "Deus" tudo certo. Minha amiga Berenice , nossa condutora, sempre calma, nos tranquilizou. Chegamos a tempo. O ambiente era alegre. Festivo. Os deficientes visuais eram mais resolvidos que eu própria , com quatro olhos. Quando começamos a cantar, pensei que não conseguiria. A voz ficou muda, embargada . O coração disparou e a alma escureceu. Um eclipse emocional. Era muito triste o que via. Mas não podia parar no meio do caminho. Vesti um coracao de pedra . Coloquei um olho de vidro, respirei fundo e mergulhei na música . Precisava alegrar a vida daqueles irmãos. Cantei com os lábios da alma para eles. O que mais me emocionou? uma cega, já com seus vinte anos de escuridão, toda sorridente , vestida de " Mine" , -- Walt Disney -- com uma Kanon, ou Sony -- profissional, à tiracolo, clicando cada momento de nossa apresentação e gravando as nossas canções. Que exemplo de superação! Fiquei pensando : quantos cheios de visão, estão cegos para a arte, para aalegria, para a vida!
Benvinda Palma