Conta comigo (ou "Stand by me Pt. III")

Conta comigo (Pt. 3)

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Precisamos de palavras para nos expressar. Palavras ditas, escritas, guardadas. Palavras registradas: em livros, no coração, em cartas. Palavras, palavras, palavras. Deus! Palavras. Words. Werten. Mots. Palabras. Verbis. No entanto... nem sempre um sentimento poderá ser traduzido em palavras. Elas – por mais adequadas que sejam – podem carecer de algo a mais que possa dar conta de explicar coisas tão pessoais. Sensações indescritíveis. "Estou muito triste hoje, por me lembrar do dia em que perdi um ente querido...", "Hoje fui aceito no doutorado; não caibo em mim de tamanha felicidade!" Palavras nem sempre podem descrever coisas que guardamos dentro de nós por n motivos. Palavras não podem ir a todos os lugares sempre. Às vezes devemos contar com sensações, sentimentos e... aquele Senhor Silêncio das Horas mais Difíceis. Momentos mais duros. Sim. Precisei de palavras para lembrar disso. Stephen King nos lembra disso na intro a seu "Outono da Inocência". O rosto de Ray Brower, cadáver do garoto cuja vida fora levada pelo trem, no filme "Conta Comigo" (1986), um clássico da Sessão da Tarde, traz, em sua lívida expressão, um misto de nulidade da vida ante a morte, de descontinuidade da vida, da limitação humana, da morte encarnada e de tristeza, ausência de esperança. Olhos já sem o menor brilho. Um corpo sem vida é mais que um corpo morto. É a significação da morte tornada algo concreto. Um recado a todos nós. O filme foi baseado no conto supracitado de King.

2

O Silêncio perpassa as manhãs. As tardes. As noites. Os dias de sol. De chuva. Nublados. Frios. Úmidos. Cinzentos como um céu insepulto. O silêncio é um companheiro essencial deste autor. (Como talvez seja de muitos outros). O silêncio tende a preparar o caminho, sabe? É: tende a facilitar o ambiente para propiciar lidar com as ideias que vêm à mente e precisam ser registradas em papel. O silêncio contorna o local de trabalho, o material e o próprio autor/escritor. Somente dois entes: o silêncio e o autor/escritor. Nada mais, ninguém mais. O silêncio, observemo-lo bem, é condição sine qua non para entrar no texto. (Mas não a única. Claro que não). O silêncio perpassa a vida. Os anos. A morte traz mais silêncio. (Eterno? Que seja. No entanto, fala-se, com isso, de outro tipo de silêncio. Acerca do qual podemos falar mais tarde.)

3

Nenhuma data, evento ou ocorrência que tenha menos de trinta anos não deve ser tido como antigo, como velho. Trinta anos me parece uma boa medida de tempo. Trinta anos = trinta semanas. Isto é, algum tempo para se fazer algo. Menos que isso é um intervalozinho de tempo fracionário. Não há trinta anos que eventos marcantes em minha vida ocorreram, então, tomo isso como medida de tempo. A ponto de me servir de base para algumas coisas importantíssimas (embora não possa me lembrar de nenhuma por ora). Trinta anos é alguma coisa? Sim. É alguma coisa. Tem algum peso, algum valor. Serve de base cronológica. Dá uma breve ideia de tempo. Trinta anos é uma medida relativamente boa para a vida humana. Os anos 80 se foram há trinta anos. (Afirmo, categoricamente, que 1987 enterra/encerra a existência da década mais adequada à afirmação do que entendemos como o início da "Pós-Modernidade".)

Trinta anos é pouca coisa? Sim. Em termos específicos. Em termos gerais... É meio contraditório tentar dizê-lo, mas... Trinta anos é algo um tanto sólido. O que ocorreu há trinta anos serve de base para entender o agora, trinta anos depois. É como se fosse tempo suficiente para explicar essa época em que vivemos e mesmo algumas coisas em nossa vida. Quem chega aos trinta anos de idade hoje tem alguma bagagem de vida para servir de pontos a ponderar. Já pode pensar nisso como um "divisor de águas" (se bem que eu evito empregar esse termo, por me parecer vulgaríssimo, medíocre mesmo). "Trinta anos": ouço isso minha cabeça como Antonio Abujamra se referia ao "Provocações": "Provocações... treze anos no ar..." "Amigos! De lá de cima trinta anos vos contemplam!", como dissera isso Napoleão, com uma leve diferença de tempo: "quarenta e cinco séculos". Sim: "leve". Claro que se considerado sub specie aeternitatis.

Mas afinal de contas: o que são trinta anos? O que são trinta anos? Se eu escrevo há vinte e sete? Trinta anos. O que são trinta anos, afinal?