Puzzles

Por que raios é tão bom resolver puzzles, montar quebra-cabeças, preencher sudoku e palavras-cruzadas? Qual é o grande barato desses passatempos que eu adoro?

Não estou sozinha nessa piração. Conheço pessoas que são praticamente Atletas de Alto Rendimento das palavras-cruzadas e do sudoku. Depois de se aposentarem do trabalho, passaram a um regime de dedicação exclusiva a esses puzzles. Começaram no nível Fácil, passaram para o Médio, depois para o Difícil, onde já atuam de maneira muito confortável. São capazes de arriscar, regularmente, o nível Dificílimo - também chamado de Muito Difícil, ou Ninja - e, depois de certa persistência, resolver esse também! Quem duvida de um nerd?

E os quebra-cabeças... Ah, o mundo dos detalhes! Tudo começa ao arranjar um local plano e amplo para realizar a montagem, estender um papelão ou um tecido para fazer a base, ou usar aquele super-porta-quebra-cabeça que foi comprado só pra isso. Separar as pecinhas que formam as bordas da imagem, achar os fatídicos Quatro Cantos, e separar as outras pecinhas pelas cores. Usar essa incrível oportunidade para desenvolver a agudeza da percepção das nuances de azul-claro, azul-clarinho, azul-menos-claro, azul-mais-ou-menos, azul-mais-escurinho, azul-escuro, azul-escuro-quase-roxo. Ah, o céu! Sempre o mais difícil!

Calcular o tamanho final da imagem em pecinhas... Todo mundo sabe, né? 500 peças são 20 x 25; 1000 peças quer dizer 28 x 36 (na verdade, dá 1008); 1500 em geral são 34 x 45; 2000 são 40 x 50, e assim por diante… Então formar os montinhos de peças de cada cor… Usar bandejas, potinhos, folhas de papelão para separá-los? À escolha. Importante é não deixar nenhuma pecinha cair no chão! Uma vez perdi uma e fui descobrir quando faltava só ela no fim da montagem de um quebra-cabeça daqueles grandões. Que aflição! E o pior: tinha feito faxina com aspirador de pó um dia antes. Adivinha onde encontrei a pobrezinha?

Então… Começar a encaixar as pecinhas das bordas, pois convém iniciar pelo mais fácil. Dispor as pecinhas com o lado da borda voltado para a parte de fora da imagem final. Ordenar as pecinhas por região da borda, conforme as suas cores. É uma paisagem? Então verdes e marrons para baixo, azuis para cima. Esta azul é da borda de cima, ou da parte superior de uma das laterais? Então testar pecinhas de cores próximas às de um dos quatro cantos. Encaixou? Não. Tenta outra. Encaixou? Parece que sim. Prenúncio de tragédia: “parece” não serve. Encaixou direitinho, sim ou não? Hum… mais ou menos. Então reserva a pecinha e tenta outra. Agora encaixou certinho? Ah… agora sim! (Viu? Eu avisei.)

E vai se formando uma tripinha em cada parte da borda. Esta saliência encaixa em qual reentrância? Esta tem um morrinho baixinho, aquela tem um valezão grandão, não é. Nesta, o morrinho está mais para a direita, como o valezinho daquela, bem certinho. Beleza! Este lado da borda já está completo. Não, péra… Tem 21 pecinhas, deveria ter 20. Bora procurar a maldita Intrusa. Aposto que é uma daquelas com um morro de um lado e um vale do outro, são as mais intrometidas da história das bordas de quebra-cabeças! Conferir cada dupla de pecinhas, desconectar, tentar encaixar de novo, usar mais sensibilidade do que antes para perceber se o encaixe foi realmente perfeito. Aqui está. Não falei? Bordinha de morro-e-vale - típica intrusa. Esta vai para a outra borda, certamente vai se encontrar por lá.

Na hora de formar os desenhos da imagem propriamente dita, a primeira coisa é achar as fronteiras de cores: casa-céu, gramado-casa, árvore-céu, árvore-gramado, coisas assim. Depois que se forma um esqueletão de contornos, bora preencher. Agora o ataque é a cada bolo de pecinhas. Se houver trechos de cores destacadas, esses são os primeiros a serem resolvidos. Por exemplo, os verde-escuros são a floresta. Bora lá. O céu fica por último.

Os detalhes vão guiando a função toda: esta flor amarela continua naquela outra pecinha, este pedaço do telhado é aqui, estas todas são da janela, encaixa uma, encaixa outra. Aqui formou um cantinho para dois morrinhos perpendiculares… Quem vai encaixar aqui só pode ser uma Tartaruga ou um Jacaré. Sim, a gente conhece os amigos e se refere a eles pelos nomes próprios que a gente inventa: aqueles com um morrinho e três buraquinhos são as Pessoinhas; os com dois morrinhos opostos e dois buraquinhos opostos são as Borboletas; os com dois morrinhos perpendiculares e dois buraquinhos no outro canto são as Tartarugas; e os que têm três morrinhos e só um buraquinho são os Jacarés. Fora as bordas, que já estão resolvidas, e os Quatro-pra-dentro e os Quatro-pra-fora, reservados à parte para fazer sua aparição triunfal quando todos os outros falharem miseravelmente.

E assim a diversão prossegue... Um zilhão de tentativas, outro zilhão de tentativas, pára um pouquinho, descansa um pouquinho, mais outro zilhão de tentativas. Mais legal do que o fim é o durante, o processo. Mas o fim… Ah, quando se encaixa a última pecinha... é o céu!

De minha parte, curto muito a vibe quase meditativa de ficar ali, com toda a minha atenção dedicada exclusivamente àquele probleminha desimportante, irrelevante, insignificante, e absolutamente sem consequências para a vida, o universo e tudo mais. É tão bom! O meu adorável poder de hiperfoco - que outros nerds conhecidos meus também têm - permite esses momentos de total distanciamento da realidade. É como se o resto do mundo não existisse. Na minha mente, naquele instante, só existe o puzzle e nada mais. Pura curtição!

E por que isso? Uma vez num filme uma personagem dizia que gostava de ser designer de palavras-cruzadas porque esse trabalho reproduzia a crença dela de que os problemas sempre têm solução. Mas... era ela própria quem criava os problemas! Pelo pouco que vejo, a chamada “vida real” não é bem assim, os problemas que se apresentam a nós, seja na vida privada, seja na vida profissional - aquela bagunça!-, são em geral umas complicações bizarras que dependem de uma série de fatores e pessoas e de regras incoerentes entre si.

Mas aproveito a ideia da personagem: creio que é assim tão bom resolver puzzles, montar quebra-cabeças, preencher sudoku e palavra-cruzada porque esses passatempos, diferentemente da vida real, nos propõem problemas que garantidamente têm solução, porque existem em um universo de regras confiáveis, coerentes entre si. E por isso somos capazes de resolvê-los, bastando lhes aplicar a dedicação, a persistência, a determinação.

Concluo que a coerência interna do enquadramento desses puzzles, a fundamentação em regras em que se pode confiar - coisa que só existe no mundo “irreal” dos puzzles - é o que permite encarar esse tipo específico de “problema” com um pressuposto de que ele pode e vai ser solucionado. Ou talvez o grande barato seja apenas a gratificação, o carinho na auto-estima, que esses puzzles trazem me evidenciando a minha capacidade de resolver algo de fato - ainda que irrelevante -, coisa que a dita “vida real” nem sempre me oferece. :-}

Aline Vieira Malanovicz - 22/08/2017