Como é curial...

Agora já não estou tão seguro se sobre a expressão in totum, se era "...Como é curial..." ou se ...Conforme é curial...", ou ainda se ..."...Consoante é curial....", mas fixemo-nos no curial. Era o cerne da justificativa que o Embaixador Sá Almeida usava para obter da Secretaria de Estado, o nosso Itamaraty, a anuência para estender sua ida ao Brasil, a partir de Jacarta, onde se encontrava lotado havia pelo menos um par de anos.

E o ano da escrita - correspondência telegráfica oficial, que me cabia ler, por oficial dever - era 1979, mais provavelmente do mês de março. E o curial daquele Plenipotenciário e Extraordinário Enviado do Governo brasileiro junto ao Governo da Indonésia, referia-se, imperiosamente, aos exames preventivos a que ele, que estava por completar 57 anos de idade, deveria submeter-se no Brasil, uma vez formalmente autorizado.

Nem recorri ao dicionário para dirimir dúvidas sobre o significado da palavra curial, ou muito menos sobre o arrazoado de Sua Excelência. Eu estava ali, cru, em meu primeiro posto no Exterior, com a missão de servir e de aprender. E quanta coisa não havia para que eu me ilustrasse, além do mero aprendizado. E o homem redigia muito bem mesmo, além de ostentar uma grafia que parecia um bordado, mais bonita até que a de papai da qual eu tanto me orgulhava, mesmo sendo de Johann Faber, comparada à de Parker 51.

Na semana que antecedeu aquela comunicação, por exemplo, o Embaixador levara-me à Chancelaria local para apresentar-me às chefias da Casa, como seu eventual substituto nos meses de seus afastamento, em férias extraordinárias. Seu inglês, impecável, soa-me como música, até hoje, 38 anos decorridos. A mim que coubera apenas balbuciar umas frases curtas e desconexas, aquela lição de dicção e de argumentação, como valera.

E também pudera: Sá Almeida já acumulava mais de 30 anos de carreira, senão brilhante, pelo menos exitosa. Seu mais recente posto, antes da missão em Jacarta, fora como Ministro-Conselheiro da centralíssima Embaixada em Washington. E por vários anos.

Portanto, não lhe desonrava de forma alguma a aparente periferia, ao contrário, o dignificava, representar o Brasil naquelas lonjuras e perante um Governo ditatorial de uma nação apenas emergente, duma vintena de anos de sua independência - após mais de 3 séculos do pesado jugo holandês. Mas, havia limites, para quem estava se encaminhando para a sua senectude, e então, o Brasil, parecia anos-luz à frente em termos de cuidados com a saúde, inobstante o fato de viver também sob um Governo de exceção.

Sem noção clara do que estava por seguir-se nos meus meses de encarregatura de negócios, adveio-me e se consolidou a certeza de que era mesmo curial...

Paulo Miranda
Enviado por Paulo Miranda em 22/08/2017
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