Os poetas nascem poetas


      Os romanos diziam que, ao contrário dos oradores, que se fazem, os poetas nascem poetas -
Nascuntur Poetae, Fiunt Oratores.
      Não adianta, pois, forçar: só verseja quem dos deuses recebeu este dom. Não é poeta quem fabrica versos.
      Conheço um sujeito, que se diz um "excelente aedo". Mas, para fazer uma quadrinha, sente demorados e repetidos calafrios. Ele não é poeta.
       Depois de ler a poesia de um bom vate - Mario Quintana, Bandeira, Gonçalves Dias, Drummond -  costumo dizer, que Deus foi muito bom comigo; mas teria sido um pouco melhor se me tivesse feito poeta.
      Vivo, como todos sabem, rabiscando modestas crônicas; mas gostaria de escrever versos, nem que eles fossem também modestos; simples como é a minha  prosa.

               * * * 

      Em uma de minhas crônicas afirmei que, ainda como um insipiente escriba, escrevera um soneto! Logo um soneto?  Desejava, através dele, cantar em versos a doçura de uma mulher com quem me envolvera, e, juntos, vivíamos um amor que foi bom enquanto durou, como dizia o Vinícius.
      Mas o soneto era tão ruim que, envergonhado de tê-lo escrito, rasguei-o, sem dó nem piedade.
      Num desses papos íntimos, segredei-lhe que, por alguns momentos, ela fora minha "musa inspiradora". E quando lhe falei sobre o destino que dera ao soneto com o nome dela, ela chorou... Chorou, de molhar meu lenço...
      Podia ter buscado em suas lágrimas um mote para outro soneto. Não o fiz, para me poupar de nova decepção.
      Quando, hoje, cabecinha branca, ela me encontra nas ruas de Salvador, pergunta: - "Cadê meu soneto?"  E eu lhe respondo com um sorriso cheio de saudade...

               * * *
       Minha paixão pelos bons poetas vem de muito longe. No ginásio, idos de 1940, eu decorava versos de Castro Alves. E me emocionava quando meu professor de português declamava Meus Oito Anos, de Casimiro de Abreu.
     Às minhas namoradas mandava bilhetinhos com sonetos de Bilac.
     E por falar no poeta de Via-Láctea, estou lendo sua biografia escrita por Fernando Jorge. Vida e poesia de Olavo Bilac, 5a. Edição, pela Novo Século.
       Em textos bem escritos, Fernando, com muita precisão, diz quem foi Olavo Bilac, recordando, inclusive, episódios interessantes de sua vida boêmia, na Rua do Ouvidor e adjacências.
       Patuscadas das quais participavam, entre outros, Paula Nei, Pardal Mallet, Coelho Neto, Luis Muratt, Aloísio de Azevedo e José do Patrocínio.
       Dá, por exemplo, detalhes do fracassado amor de Bilac por Amélia de Oliveira; e discorre sobre o Olavo anticlerical, para quem o padre não passava de um "abutre vil"; acusando ainda a Igreja Católica de esconder o leito em que o papa beija "a linda prostituta".
         É uma leitura atraente. Não rouba o tempo do leitor e nem lhe chateia a paciência.

               ****   ***   ***
          Iniciando com esta crônica, disponho-me a homenagear poetas mortos, cujos versos não devem ser esquecidos. 
       Hoje lembro o poeta cearense Jáder de Carvalho, morto em 7 de agosto de 1985.       
      Conheci Jáder de Carvalho na década de 60. Fui seu vizinho na Rua Agapito dos Santos, em Fortaleza. 
      Graças à sua generosidade, escrevi algumas crônicas no Diário do Povo, o combativo jornal de sua propriedade, freqüentando a coluna por ele confiada aos estudantes, eu, com muito orgulho, na época, aluno do Liceu do Ceará.
        Para trazê-lo de volta ao convívio dos que gostam de bons versos, transcrevo, a seguir, dois de seus sonetos, tirados do seu livro Menino só.

              
REVELAÇÃO
      Por esta rua é que ela andava, quando
      vinha da igreja, onde por mim rezava.
      Por esse tempo, eu era um poeta doente.
      E ela por mim pedia a Deus, por pena.

      Depois que o sangue me voltou à face
      e que eu soube das suas orações,
      beijei-lhe as mãos, enternecidamente.
      E pelos olhos tudo agradeci.

      Ela queria bem. E não dizia!
      Tratava-a como as outras. Mas, um dia,
      senti-lhe a mão tão fria e diferente...

      Foi então que entendi. Beijei-lhe a boca
      e senti - eu não minto - o gosto e o cheiro
      das orações que ela rezou por mim...

               ÁRVORE VELHINHA
      Ó lenhador, descança o teu machado!
      Esta árvore velhinha, que golpeias,
      pede socorro pela fronde toda.
      Sofre, no caule, as dores deste mundo.

      Ela tem alma, como nós. Deu frutos,
      agasalhou os pássaros da mata.
      As aflições, que tu lhe vês nas folhas,
      vêm molhadas do choro das raízes.

      Já não pedi? Depõe a arma homicida!
      Ajoelha-te e reza, arrependido
      do mal que fazes, para o ganha-pão.

      Vale matar a fome dos teus filhos,
      depois de um crime que não te enriquece?
      Olha? Toda a floresta está com pena!

      Jáder Moreira de Carvalho. Nasceu na serra do Estevão, distrito da simpatica cidade de Quixadá, no dia 29 de dezembro de 1901.
      Além de poeta, Jáder de Carvalho foi romancista e jornalista. Como jornalista, sua pena era erudita, incorruptível, atrevida, caustica, e  respeitada. 
      Por tudo isso, ele continua sendo um referencial da inspirada literatura da terra de Alencar.  









      

     

Felipe Jucá
Enviado por Felipe Jucá em 15/08/2007
Reeditado em 24/08/2009
Código do texto: T609113