VEZ POR OUTRA
O pai gostava era de sapatos de cromo alemão. Marrons. Estando eles gastos, aproveitava de suas idas a Belo Horizonte a trabalho, para comprar sapatos novos, que escolhia em diversas lojas. Vez por outra, levava a filha mais velha com ele, para que o ajudasse a escolher os sapatos. Como se variassem de marca, de modelo e de cor.
Uma vez, ele levou a filha a uma festa. Inauguravam o prédio da sede da empresa onde ele trabalhava. Um dos primeiros arranha-céus construídos na Praça Sete. Um prédio moderno, com seus vinte e cinco andares de janelas de vidro escuro. Na época, a maior beleza do lugar. A festa, realizada no restaurante do último andar do prédio, de tão boa, nem vez por outra, a garota gostava de comentar em casa. Para não despertar inveja nas irmãs mais novas. Vez por outra, o pai levava a filha a esse ao restaurante que ficava no alto do edifício mais alto da capital, fato contado de boca cheia às amigas. Andar de elevador até ao vigésimo-quinto era feito desconhecido para elas. Ela só não dizia que iam ao restaurante era para tomar café com pão e manteiga, só. Lá, o pai encontrava antigos amigos e colocava a prosa em dia. Vez por outra, um deles dizia que a mocinha estava ficando muito bonita, o que a levava, com seus treze anos de idade, ficar ruborizada e feliz. O pai, então, aproveitava para dizer aos amigos que havia solicitado a companhia da filha para ajudá-lo a fazer umas compras, que ela aproveitava para passear, que gostava muito de cidade grande, que era muito estudiosa, que ajudava muito no serviço da casa e outras vaidades de pai. Dizia também que a menina tinha uma conversa boa, sabia tratar de todos os assuntos e o distraía durante as quatro horas de viagem por estrada de terra até Belo Horizonte.
Uma vez só e não outra, houve um desencontro entre pai e filha. Pelos idos anos de 1.961. Apesar de local e horário previamente estabelecidos eles se perderam. Naquele dia _ vez por outra a filha levava uma amiga de companhia _ as garotas foram passear pela avenida Afonso Pena e ruas próximas, maravilha das maravilhas, enquanto o pai fazia seu trabalho. O motivo do desencontro a filha perdeu na memória. Quando voltaram, no horário combinado, não encontraram o pai à porta do edifício de vidro escuro. Esperaram mais uma hora e nada. Foram até ao vigésimo-quinto e nada. Contaram o dinheiro que havia sobrado do bolo com sorvete das Lojas Americanas. Viram que era suficiente para as passagens de volta. E que voltar para casa seria o mais sensato a fazer. Andaram até à Feira de Amostras, uma feira de pedras brasileiras que ficava situada próxima à antiga rodoviária de Belo Horizonte. Ficaram olhando as pedras por um bom tempo até chegar a hora da partida do último ônibus, pois estava acertado que voltariam no último ônibus. O pai não apareceu. Quando chegaram em casa havia lá um Deus nos acuda. Pessoas na porta, nas janelas da casa. Mãe, irmãs, tias, avô, vizinhos. As meninas estavam perdidas em Belo Horizonte. O pai ficara por lá, desarvorado. Havia ido para a casa de uma irmã. Já ligara umas três vezes, apesar das dificuldades para se conseguir uma ligação interurbana em meio a um emaranhado de fios, tomadas, painéis, telefonistas. Naquela época, discagem direta à distância nem passava pelo sonho.
Pai e filha encontraram-se no dia seguinte, na hora do almoço, quando ele chegou sem a sacola das cheirosas maçãs argentinas que costumava trazer sempre que ia a Belo Horizonte. A filha levantou os olhos e olhou para o pai, o qual deixou rolar algumas lágrimas pelo rosto. Se palavras foram ditas naquele instante, ela perdeu-as na memória. De que não houve abraços ela se recorda. Vez por outra, ela vislumbra o olhar e as lágrimas rolando pelas faces do pai. É uma das mais expressivas lembranças que ela tem de um pai que não costumava perder a compostura quando, vez por outra, sentia necessidade de chamar a atenção de qualquer uma das filhas.