Amor e privacidade
Quando meu marido lutou comigo contra minha depressão e me incentivou a escrever para teatro, eu entendi que era amor e que eu nunca mais estaria sozinha na vida. Quando Heloísa nasceu e abriu seus bracinhos fofos para mim pela primeira vez me chamando de "mãe", eu entendi que era mais que amor e que eu nunca mais estaria sozinha na vida.
Então, eu adotei a Giz.
Quando eu esqueço o box entreaberto, no meio do banho, com meus olhos ardendo de sabão, eu a vejo lá. Entre uma mordida e outra na fatia de melancia, com seu choro sofrido exigindo uma parte da fruta, Giz está lá. Na lavanderia, enquanto insiro as roupas sujas na lavadora, a bichinha está lá, deitada numa calça jeans. O alho dourando no azeite, o cheiro nadando do ar e ela está lá, desfrutando do aroma caseiro comigo. Na minha "Peça para quem não veio", suas patas pisam um resto de areia soprada de mar, seu focinho cheira uma erva daninha nascida nas trincas dos cimentos da minha dramaturgia.
Com Giz, eu entendi que também era amor, mas ela não entende o que é privacidade.
(Maria Shu - 21/08/17)