A última carta

A ÚLTIMA CARTA

- Vocês sabiam disso? Foi assim que Yara começou a falar sobre doação de medula e continuou.

- Há inúmeras campanhas para ajudar pessoas em situações difíceis. Campanha do agasalho, para doação de livros, doação de alimentos e outras. Não há que se eleger uma prioritária, todas têm o porquê de pedir ajuda. Entretanto, há algo que não se amolda as campanhas. Um limite naquilo que será arrecadado.

- Uma pessoa com leucemia, corre atrás da medula que lhe estenderá a vida. Caso não exista o doador compatível, seus dias podem ter uma contagem regressiva. O que fazer?

- Quem passou por isto sabe, é desesperador encontrar quem possa ajudar. Todos se unem para que a vida continue. As redes sócias são bombardeadas, campanhas aqui, acolá, radio, tevê, panfletos, tudo que vire publicidade é feito. Depois de um tempo no campo de batalha, muitos voluntários querendo ajudar, você tem uma notícia inacreditável.

Segundo um funcionário que trabalha no banco de coleta, este tem uma determinada quantia de doadores mês a ser alcançada. Caso ultrapasse este numero de doadores, o material excedente deve ser encaminhado a outro local para coleta. Há também outra opção, é necessário que sua vida espere mais um mês e faz-se a coleta. Mas e se sua vida não tiver este tempo...?

A indignação em sua voz ficou mais perceptiva e continuou.

- Quer dizer, você virou sua vida de ponta cabeça. Largou emprego, vendeu carro, emprestou grana para a campanha, afim de um ato nobre e... E este nobre ato, não pode ter mais que cinquenta (exemplo apenas) doadores querendo ajudar.

- Dá vontade de desaforar o funcionário que lhe diz isto, mas qual a culpa dele? Não faz as leis.

Continuando, justificou o injustificável.

- Qual justificativa para a limitação, gastos? E explicou aquilo que o funcionário havia lhe dito.

- A região X do país coleta determinada quantia de medulas, a região Y outra. Para que as coletas sejam proporcionais, os órgãos responsáveis pela obtenção deste material, “material que pode dar continuidade a minha vida” – frisou - diminuíram a coleta em uma região. A verba destinada é realocada e em outra região vira campanha para obter novos doadores.

Mais desesperada, com sua voz envolta na ânsia de viver, finalizou.

- Como entender, aceitar, que seu pai, filho, tio, amigo, enfim, aquela pessoa que precisa de ajuda, não receberá apenas por que não há grana.

E com sua voz já tremula em emoção arrematou.

- Poxa, que país é este, você faz das tripas coração para ajudar quem precisa e um Zé ruela diz, “o país precisa de copa do mundo”. Ou, “tive sorte e ganhei na mega sena”.

Ficou algo no ar, são tantas as mediocridades ditas que olha, só Deus na causa. Assim Yara tentou explicar algo sem sentido.

Porém o que a perturbava era outra coisa. As palavras do médico eram perturbadoras.

- Você terá seis meses de vida e o cronômetro estava juntando os ponteiros. Yara pensava.

Que fazer em um tempo tão curto? E os planos de viajar, filhos, mudar para a chapada diamantina, conhecer o país de bicicleta e outras coisas que começaria amanha? Isto não pode ser verdade. Não esta acontecendo comigo.

Um lar agoniza com o ente querido. As chances de que esta pessoa vença a luta parecem fáceis, óbvias. É sabido, podemos encontrar um doador em família, ou no mundo. Na proporção de um doador, para cada cem mil, você sorri, amanha toca o telefone; “achamos uma medula compatível”.

E o tempo corre, um mês, dois e nada, então você fica sabendo. Neste país colossal, solidário, fiel com seus irmãos, há apenas três milhões doadores cadastrados. A realidade é outra, o telefone pode não tocar...

Há um sentimento maravilhoso comum a todas as pessoas no mundo, ser pai, mãe, quem foi, quem é, diz ser a coisa mais maravilhosa do mundo.

Seja pai daquela criança linda que não corre num hospital, esta fraca, precisa de sua ajuda. Aquela criança linda, pode não ter o prazer de andar de bicicleta, fazer artes. Ou pode, basta que você doe vida a ela. Quem receber, viverá eternamente grato por seu ato.

Estas pessoas nascem de novo, apenas por que você quis ser pai e mãe.

Yara tinha 37 anos, morava no interior de São Paulo, formada em educação física e cursava direito. Mãe, uma mulher linda. Tudo bem, tudo normal como na vida de qualquer pessoa.

Entretanto, a coisa de um ano, foi diagnosticada que sua medula estava doente. Necessitava de um transplante. Como todas as pessoas sabia, um dia ela “iria”. Todos vão, simples assim.

No tempo que esteve conosco, foi um prazer conhecê-la. Esse prazer teve inicio há muito tempo, foi no primeiro olhar de seus pais, no gostoso beijo de amor dado entre eles. “Lá”, naqueles dias Yara começou a ser programada, sua vida, sua vinda, todos explodiam em felicidades, esperavam seu amor. Seu mais inocente sorriso era esperado, desejado, querido... Todos não viam à hora de “apertar aquelas bochechas”.

Depois de intermináveis nove meses, ela chegou. O amor não é abstrato, estava materializado em uma linda bebe. “A coisinha mais bonitinha do papai”, “da mamãe”, “do mundo”. Que delicia seu primeiro sorriso, o primeiro gugu dada, os primeiros passos, sim ela era o amor. Como pode um serzinho desses mudar uma família, duas, o mundo, a vida de todos, que maravilha é o amor.

Yara cresceu, aquele bebezinho fraco, pequeninho, inofensivo, a cada dia surpreende mais os pais. Quanto medo no seu primeiro dia de aula, quanta insegurança por ela ficar uma noite na casa de estranhos, a vovó levou.

Depois numa escada sem fim, está foi levando-a cada dia mais longe. Yara decidiu dirigir, namorar...!!!! É, o mundo deveria parar no tempo, quantas saudades daquelas prazerosas e intermináveis noites de choro.

Porém hoje sua realidade era outra, convivia em desarmonia com um cronômetro, este em contagem regressiva.

A coisa de um ano, em uma aula de academia se sentiu mal e foi fazer exames. Depois de algum tempo procurando, os médicos encontraram, Yara parecia pressentir a seriedade. Todo aquele tempo, todos aqueles exames só poderiam culminar em uma coisa, não deve ser algo simples.

Suas noites de sono começaram a ficar longas, era o medo. Entretanto sua doutrina havia preparado-a pra isso, calma, seja o que for acontecer a ela, sabia, há tempo isto fora arquitetado. É aceitar as conseqüências e viver a vida, com as flores colhidas nos jardins do amor.

Quando fechava os olhos, um mundo de possibilidades abria em sua mente, nesta, a verdade era a que ela quisesse. De olhos cerrados ia onde desejasse, vivia seus sonhos mais impossíveis. Encontrava o amor de sua vida, era a bela adormecida de seu conto de fadas. Vivia um exemplo a sociedade, uma pessoa perfeita e evoluída, fazia o bem não importando a quem.

De olhos fechados sentia aquilo que desejasse, não convivia com sua realidade, era dona de suas vontades. Não se sentia triste, nada de ruim, apenas deliciosas fantasias.

Yara queria que todos soubessem, feche os olhos, será libertador, encorajador, motivador, se assim VOCÊ desejar. Quando fechar os olhos a próxima vez, vá para um lugar onde possa sentir paz, onde nada tire sua tranquilidade, pois não há nada mais triste do que fechar os olhos e desejar não abri-los mais. Pelo simples fato que você não ousou mais e seu tempo, não permite reparar ações que não tentou.

Yara queria que todos fizessem mais, tentassem além e crendo em Deus, fossem onde sua imaginação quisesse. Fazendo isto, quando abrir os olhos vai entender, não foi um sonho, foi algo que aconteceu porque você viveu a vida. Não ficou parado ante uma adversidade, tem Deus consigo.

Adversidades, algumas dificultam nossos sonhos, outras impedem estes. Agora, só Deus.

Após longos dias no hospital buscando viver, ou que alguém parasse o cronômetro, entrou em coma, quando voltou deste, com fé em sua doutrina, tinha uma esperança. Agarrada a esta sorria, ficarei bem. Uma levíssima melhora em sua medula produziu sonhos, e também em todos que a acompanhavam. Porém esta melhora não era significativa, como os sonhos de quem quer Yara conosco. E então ela foi.

A vida é assim, um dia você veio e viveu, noutro você vai. Um circulo que se fecha. E tudo que você fez nesse meio tempo é o que importa. E se você soubesse que tal dia você vai, seria melhor ou pior, questionou Yara? E mais.

“Uma semana antes, os que crêem em Deus, iriam orar, pedir perdão? Tudo bem, mas saiba, mesmo assim você vai”.

“Os que não crêem continuariam sua vida normal? Uma festa de despedida? Sem problemas, porém você vai”.

“É, então você vai, é justa sua ida? Você quis mais, tentou mais, ousou muito, mas não foi feliz. É justo você ir? Pode ser injusto, mas você vai”.

“É, então você vai, poxa você queria ver seu filho formado, entretanto não vai ter tempo, você vai”.

“Lutou tanto por um amor, correu atrás, mandou flores, fez tudo por este, mas a regra é clara, você vai”.

“Quantas pessoas seriam sinceras, vou tranquilo. Vim vi e venci. Fiz tudo que queria, ganhei tudo que pude, fui honesto, vivi a vida, amei, fiz feliz”.

“Mas e quando você sabe que vai. O médico lhe diz, “olha daqui uns dias você vai”. Bom, todos vão. Sua saúde não lhe proporcionará muito tempo de vida. Não há muito que fazer, os planos todos devem parar, filho, casamento, faculdade, um amor, aquela blusa linda verde oliva, nada mais pode ser projetado, você vai”.

“Aqui reside à emoção da vida, viva hoje, ame hoje, beije hoje, coma hoje, sorria hoje, um dia você vai. Quando isso vai acontecer, não importa”.

Yara tinha em mente. “Eu vou, então antes que este dia chegue, quero viver o melhor que puder. Hoje vai ser aquele dia especial, aquele que não vou esperar para amanha. A felicidade deve ser vivida hoje em sua plenitude, não a prestação. E como não há ninguém no mundo que mereça ser mais feliz que eu. Quero ser feliz hoje, quero amar hoje, quero viver tudo que puder hoje”.

Yara tinha em mente depois que saísse do hospital, montar uma ONG e disse; “assim que sair daqui vou lutar, e ajudar pessoas que como eu, possam ter outra chance de vida”. E contou seu sonho.

“... o prazer máximo no universo, ser pai e mãe, se você pudesse salvar uma vida, faria? Todos os dias vemos crianças às ruas. Imagine uma coisinha linda dessas, tendo que parar de correr, ficar presa a um hospital. Você lembra seu tempo de infância? Aos sete anos, o que fazia? Andava de bicicleta, jogava bola, quem não fazia artes. Quero ajudar a todos”.

Ria e falava, “a máquina do tempo deveria ser inventada, bons tempos aqueles, nunca sairia de lá”

Há muitas cartas que podem ser escritas. Podendo ser de demissão, amor, apresentação, as razões que você tiver para mostrar suas emoções. E foi assim que Yara fez a sua última carta. Despedida.

“Oie, tudo bem?

Se está lendo essa mensagem agora, é porque eu já parti. Poucas pessoas tem a oportunidade de saber à hora da sua partida e deixar uma mensaginha para aqueles que ficaram.

Algumas pessoas ficarão surpresas, porque nem imaginavam o que eu estava passando. Outras ficarão triste com a minha partida, aliás, não será fácil ficar sem a minha adorável presença... rsrsrs.. Mas também tem aqueles que se sentirão aliviados, pois acompanharam de perto todo a minha luta e sofrimento.

Nem desistir nem tentar. Agora tanto faz, estou indo de volta pra casa.

Agradeço a todos por terem passado pela minha vida... todos, sem exceção, todos me ensinaram algo de valioso. Sou feliz por ter passado por aqui e ter conhecidos vocês... sou grata...

Estarei com vocês onde quer que vocês estejam, dentro dos seus corações. E se a saudade apertar procure no céu, a estrela que mais brilhar, ela será meu olhar.

Fiquem em paz. Fiquem com Deus nos seus corações. Até a próxima”.

Paulo Cesar

Paulo Cesar Santos
Enviado por Paulo Cesar Santos em 15/08/2017
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