LIU XIAOBO

SOBRE A INCAPACIDADE DE EVOLUIRMOS

Nelson Marzullo Tangerini

Em sua coluna de hoje [14.8.2017], no Segundo Caderno do jornal carioca O Globo, o escritor angolano José Eduardo Agualusa diz não estar afinado com o exibicionismo de Tramp nem de Kim [ótimo!], mas diz preferir a ditadura chinesa, aquela mesma que negou tratamento médico a Liu Xiaobo, escritor e dissidente chinês, Prêmio Nobel da Paz de 2010. Enquanto Xiaobo morria e agonizava lentamente de câncer, a Academia de Estocolmo e toda a comunidade internacional mantinham viva a esperança de entregar-lhe o merecido prêmio. As autoridades chinesas, como de costume, não tiveram a sensibilidade de preservar-lhe a vida. Talvez Agualusa tenha se esquecido deste episódio. Talvez eu tenha entendido mal, e espero que Agualusa se explique melhor em sua próxima coluna, afinal Águalusa é colega de profissão do escritor chinês.

Ser escritor é abraçar uma carreira de responsabilidade; não é uma tarefa muito fácil, em tempos de guerra fria e guerra quente, pois ainda somos, em 2017, constantemente cobrados e “policiados” por nossas atitudes e comentários. Escrevemos e, a todo tempo, somos rotulados de direita ou de esquerda.

Por exemplo: sou contra a política de Tramp. Grito Fora, Temer! E não vou votar em Bolsonaro. Também não estou pedindo a volta dos militares ao poder. E então sou chamado de esquerda. Espera: sou contra os autoritários Maduro e Kim. E então sou chamado de direita. Tento ser um ser humano evoluído, equilibrado, defendendo uma causa nobre: os tão discutidos Direitos Humanos - aqui e ali. O assunto sempre me preocupou, enquanto jornalista, e acabei sendo um simples membro da Anistia Internacional, onde sempre me pautei pela imparcialidade. Mas o cérebro humano é ainda limitado e está preocupado em definir quem é de direita ou de esquerda. Seria incoerente, creio eu, reclamar que militares torturaram e mataram na América do Sul e defender a tortura e a pena de morte na antiga União Soviética, em Cuba e na Coréia do Norte. Ou defender a prisão de opositores na Venezuela. A resposta dos detratores é a mais ridícula possível, o velho discurso das múmias: "- Se Kim é contra os EUA, estou com Kim". E os fuzilamentos de seres humanos na Coréia do Norte?

Um outro defende a repressão na Venezuela e a prisão de opositores: “- O governo tem de ser duro com a oposição financiada pelos EUA”. Enfim, o velho discurso paranoico. Sou apenas um observador metido a cronista e noto que a vida humana não tem valor algum para quem é de direita ou de esquerda. Há, por exemplo, pessoas que lutam por Direitos Humanos e fecham os olhos para as prisões de opositores na Venezuela ou o fuzilamento de seres humanos na Coréia do Norte ou na China.

Não faz muito tempo, um grupo de intelectuais brasileiros fez um abaixo assinado contra a pena de morte decretada ao afro-americano Mumia Abu Jamal. Sendo contra a pena de morte e o evidente racismo, assinei também o manifesto. Mas quando três balseiros cubanos, em 1973, foram fuzilados por tentarem fugir de Cuba - foram presos em alto mar -, esses mesmos intelectuais de esquerda silenciaram, se omitiram. José Saramago, Prêmio Nobel de Literatura, pediu a Castro que os rapazes fossem soltos e perdoados. Não houve piedade, porém, por parte do governo cubano. Os balseiros foram fuzilados. E Saramago rompeu com Cuba, naquele momento. Outros voltaram à Ilha, e continuaram bajulando o ditador. “- Abandonei o barco”, disse o escritor português. Indignado com o ocorrido, escrevi uma carta à revista Veja, e ela foi publicada.

A defesa do autoritarismo fica à vista, nas redes sociais, como o Facebook. Ali estão reacionários religiosos, de direita e de esquerda: nazistas, racistas, stalinistas etc e tal. Eles defendem as coisas mais absurdas que possamos imaginar. Sou um escritor pequeno, mas comprometido com a humanidade, e não posso entender essas pessoas autoritárias, doentes, sádicas, com seus cérebros atrofiados. E, muitas vezes, tenho vontade de abandonar o Face. Porque o ser humano não evolui intelectualmente; porque a imbecilidade me incomoda.

Nelson Marzullo Tangerini
Enviado por Nelson Marzullo Tangerini em 14/08/2017
Reeditado em 15/08/2017
Código do texto: T6083878
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2017. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.