(((( QUEDA LIVRE ))))
A madrugada já vai alta, quando um estampido seco rompe o silêncio da rua. Estou sozinho, andando sem rumo comigo mesmo. Da janela alta de um apartamento noto a silhueta de um casal, executando movimentos quase sensuais. Uma ambulância passa por mim, rasga a avenida, leva provavelmente a vítima do tal estampido seco. Em seguida, a vidraça do apartamento se estilhaça, e um corpo nu de mulher inicia queda livre até estourar no asfalto deserto. Tudo em coisa de cinco segundos. Chego perto, penso em socorre-la, mas percebo que a mulher agora não passa de um cadáver com o crânio esfacelado e os órgãos revirados dentro do corpo. Luzes se acendem, curiosos começam a dar o ar da graça. Mulheres gordas e sonolentas, metidas em pijamas exalando urina, abandonam o sono e dão vazão à toda a sua curiosidade e morbidêz. Senhores em mangas de camisa e cigarro entre os dedos passeiam pelo tumulto, ouvidos atentos pescando informações hipotéticas. O cadaver alí, alheio a tudo, alheio até ao próprio infortúnio, alheio a multidão de abutres à sua volta. Preciso ir, não quero mais problemas. Logo chega o IML, os peritos, os policiais e os repórteres, com uma parafernália de equipamentos e perguntas. Não, não. A essa altura eu só preciso de um cigarro, um canto pra dormir e um sonho bem bonito.