HYPÓKRISIS+IA
Hypókrisis+ia*
Tarde de inverno. Estou novamente em meu quarto muito bem agasalhado protegido do frio e da chuva, que insiste em cair a horas, sentado diante de meu computador que custou cerca mil e quinhentos reais, o que equivale a 45 cestas básicas em média, comendo um sanduíche de queijo e presunto e tomando chocolate quente.
Como de costume viajo durante algum tempo pela internet e depois me preparo para escrever mais um texto que exprima toda minha revolta e indignação em relação à fome, o analfabetismo, a pobreza, as desigualdades sociais que permitem que milhões de brasileiros vivam abaixo da linha da miséria. Ou sobre o descaso dos governantes, o voto consciente, a discriminação racial, sexual ou religiosa, sobre os menores abandonados, os desabrigados que são meus temas preferidos.
Tudo pronto, a janela fechada, o quarto aquecido, e eu já com a barriguinha cheia. Quando fui teclar a primeira letra tive um estalo, uma revelação divina ou demoníaca, sei lá! Surgiu em minha mente uma pergunta cretina:
- O que é que faço para melhorar isso?
A resposta foi esclarecedora e obvia.
- Absolutamente nada.
Percebi que posso até me revoltar quando vejo ou ouço uma notícia de discriminação ou violência na teve ou jornal, falando palavrões e tal, mas então lembro que tenho que pagar a conta da luz ou do aluguel e volto a cuidar de minha vida. Ou melhor, meu umbigo.
A verdade é que estou pouco me lixando para a fome, as desigualdades, a miséria e todas essas desgraças que estão por aí. Sei que não vou levantar a bunda da cadeira e realmente fazer alguma coisa. Afinal de contas não é problema meu. Quem tem que cuidar da miséria são os políticos. Da violência é a polícia. Não é assim que funciona?
É muito fácil se indignar com as desgraças sociais e morais de nosso país ou do mundo. Ou ainda defender as idéias do marxismo, anarquismo, iluminismo, cristianismo ou qualquer outro “ismo” que exista por aí. Fazer discursos inflamados em defesa da mulher, das baleias, da natureza ou do mico leão dourado. Se auto proclamar rebelde, com causa ou sem, revolucionário, inconformado é legal, da moral. Você é tratado como uma pessoa politizada, intelectual, inteligente. O difícil é por a mão na massa. É colocar isso tudo em prática. Ou melhor, o difícil é ter vontade de por tudo isso em prática.
Não são as idéias que mudam o mundo por mais bonito que isso possa soar aos nossos ouvidos, mas sim as pessoas e suas atitudes. Sem as atitudes de alguns poucos, que tiveram a coragem de colocar a cara para bater, não teríamos tido a revolução francesa ou a revolução russa ou qualquer outro tipo de revolução. Os ideais só servem para dar inspiração o que nos cabe é à parte da transpiração.
Esse “estalo” me ajudou a entender que me acostumei a justificar minha apatia ou covardia, através de textos indignados carregados de inconformismo e revolta tentado assim aliviar um pouco do peso em minha consciência por ser um completo hipócrita. Critico tudo e a todos, mas não faço nada ou como dizia Jesus Cristo, enxergo o cisco no olho de meu vizinho, mas não vejo a trave no meu.
Não vou sair distribuindo tudo que tenho para os pobres ou coisa parecida, mesmo porque não tenho muito. Acabaria me tornando apenas mais um e não resolveria nada.
O que vou tentar fazer de hoje em diante é assumir minha hipocrisia, minha parcela de culpa nas desgraças do mundo. Não vou ficar mais só na conversa e papo furado pregando no deserto. Vou “eu” colocar a cara para bater. Sei que não será fácil ou rápido e vou começar revolucionando o que acho que esta mais errado no mundo atualmente, minhas convicções e princípios.
* hi.po.cri.si.a sf (gr hypókrisis+ia1)
Manifestação de fingidas virtudes, sentimentos bons, devoção religiosa, compaixão etc.; fingimento, falsidade.