Flecha, tartaruga e favas

Na Grande Grécia Pitágoras de Samos, em Crotona, 530 a. C apoderou-se do poder político, sendo uma sociedade religiosa. Resultado: proibido comer favas. Inocentes favas. Houve demora no desenvolvimento da alimentação e foi complexo para o homem rechaçar tais pensamentos primitivos. É importante que se diga que um dia comer favas foi preconceito. Sem favas fico contemplando o amontoado de dívidas sobre o criado mudo e coloco os pés para fora dos sapatos ouvindo a campainha do credor. Fujo para perto de Pitágoras com toda a geometria detalhada nesse tabu que é contrair dívidas.

Torna-se necessário abrir a porta. O trim-trim segue abusivo e para ele não existe remédio. Cogito a saída me vestindo de Homem–Aranha. Pularia pela janela. Grudado na parede ficaria espiando no andar de baixo a intimidade alheia. No mundo há sempre uma mulher no espelho. Atenderia a porta com voz grossa:

- Aqui não mora ninguém com esse nome de Zé Pereira. Vestido ainda de Homem-Aranha pularia na frente do cobrador discutindo com ele fatos originais da Grande Grécia e a geometria de Pitágoras como um perfeito jornalista sem emprego fixo.

O cobrador logo copreenderia minha insanidade e voltaria noutra ocasião.

A pose do Zé Pereira calmamente sentado na sala, tendo os pés nus na almofada, na tranqüila tarde de verão é o resultado desse ser colossal que é o homem. Mesmo um Zé endividado vive na terra natural sem recurso. Sujeito que sai da mata para calçar sapato tarde, e assim mesmo, prossegue vazio no universo repleto de crédito e convite. Não atenderia a porta. Permaneceria imóvel transmigrando silêncio.

Zenão de Eléia expõe a teoria da flecha e a tartaruga. Se fosse lançada uma flecha na direção da tartaruga haveria um espaço entre as duas coisas que jamais se alcançariam. Como o som da primeira letra jamais alcança o som da última. Estava explicado! A divida e o credor nasceram para não se encontrar na porta da sabedoria. Permaneceria em estado hermético porque todo endividado merece antes uma indenização do que um ataque surpresa. Mesmo sabendo que a sombra distorcida do olhão verde, pelo olho mágico, permaneceria na mente do cobrador como vestígio de vida no apartamento alugado.

Endividado, solitário, insolvente até às espigasl leia com atenção sobre a virtude do esquecimento! Passa-se uma vida lutando contra a idéia nas sombras da esperança de um dia devolver alegria as boas horas de sol. E quantos vivem desse fracasso? O sinal da verdade é, pois, um acordo. Dele com ele mesmo. Representar a posse da virtude não é tão intrincado assim. Gastamos em teoria o toque de traço Socrático! Certa unidade do espírito como a inteligência abençoa. Sócrates pelo menos fez de si um discípulo como Platão que não deveu nada a ninguém. Os amigos não te socorrem? Não sabes pedir socorro? Foge para a filosofia. Lembrar Sócrates pode ser triste demais e o endividado não tem cura.

Nessas regiões pouco divinas cabe positivismo se a divisão inicial fosse justa. Dívida por dissipação garante pouco perdão como se o dinheiro para gastar fosse diverso em tudo daquele que fica escondido dos demais no sótão dos grandes azares. Como pode alguém ganhar sem que o Zé Pereira tenha perdido? Trabalhador enterrado nas casas de crédito fácil. Dois vinténs após compreenderia o pegue fácil e devolva intricado. Sendo o capital de êxito o território exclusivo dos distraídos um irmão ganhou daquele que perdeu. Deveria sobrar, todavia escoa. A flecha havia sido lançada e ele era a tartaruga. O tempo talvez não encontrasse nunca os dois objetos. Nem as favas do mundo incrivelmente cultivado.