Lembranças de um pôr do sol

Pode até ser que tenha existido um outro mais bonito. Mas a verdade é que dificilmente eu veja outro como aquele. Foi o pôr-do-sol mais lindo que eu já vi em minha vida. “Seu” Nelson bem que tinha me avisado quando falou:

- Tá vendo menino, pintor nenhum no mundo consegue reproduzir esse pôr-do-sol.

E eu acredito, de verdade, que não. Eram milhões de pontos luminosos que se refletiam na água da lagoa Manguaba, em Marechal Deodoro. A “ribeira” da lagoa por si só já é um deleite para os olhos. Parece que o tempo parou em uma época boa e se eternizou pra mostra aos novos tempos como se pode viver bem, sem precisar de muitas coisas. E aproveitar o que a vida tem de melhor para oferecer. Me lembro de uma música de Vinicius de Moraes chamada “Terra prometida” que fala mais ou menos isso: “E poder assistir ao entardecer / E saber que vai ver o sol raiar / E ter amor e dar amor / E receber amor até não poder mais / E sem querer nenhum poder / Poder viver feliz pra se morrer em paz”. E era justamente isso que eu achava, que ali era um lugar propício para se ver a vida passar devagar, aproveitando cada momento, junto das pessoas amadas...

Alias aquele clima de sítio era tudo o que eu sempre sonhei. Nascido e criado em cidade grande, acostumado com o asfalto e com todas as facilidades que se relacionam com o fato de se morar numa capital. E o que é pior, tendo avós citadinos, crescendo ouvindo histórias do sertão de meu avô e da usina de minha avó, sempre sonhei com a vida no mato, no interior numa espécie de eco da vida e das histórias dos meus avós, ainda mais que esses mesmos avós moravam em apartamento, então chegar a ter a possibilidade de viver aquilo nem que fossem por alguns dias era uma realização de um sonho. Era a melhor parte das férias com meu pai em Alagoas, quando íamos à Ribeira visitar “Seu” Nelson e Dona Eunice pais de minha madrasta. Eram como eu disse uma vez só a ela, já que ele já era falecido nessa época, que eles eram meus “avósdrastos” ao que ela com sua típica amabilidade de avó depois de servir doce de coco me disse sentados no alpendre da casa azul:

- Nelson ia adorar estar conversando com você agora, falando do por-do-sol.

A vida era aquilo ali, sem mais nem menos, com seus prazeres e suas dores, mas com uma imensa alegria de se viver, de se aproveitar cada momento e admirar as belezas que podiam ser desfrutadas na vida. Era “compreender a marcha e ir tocando em frente”, vivendo feliz pra se morrer em paz.

Tenho certeza que "Seu" Nelson ia gostar estar conversando comigo, como eu gostaria de estar conversando com ele e gostei de estar naquele momento conversando com ela. E hoje diante do desaparecimento de Dona Eunice é disso que eu me lembro. E é isso que eu agradeço a Deus, ao acaso, a quem quer que seja. Agradeço a oportunidade de ter visto e vivido. De ter passado um pouquinho da vida que fosse na varanda da casa azul, de frente para a Lagoa, vendo um por-do-sol, impossível de se reproduzir e que eu, tenho certeza, nunca verei igual

Bruno C Soares
Enviado por Bruno C Soares em 10/08/2017
Reeditado em 02/12/2020
Código do texto: T6079814
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