O Homem (parte 4)
O Homem estava sozinho para cuidar das feridas. Não via em seu olhar desespero nem outra forma de desesperança. Ele fez a opção por esperar. Esperar a primavera florescer, o verão aquentar. O inverno arrefecer e o outono levar consigo as folhas envelhecidas de uma história que já foi e, por certo, não voltará mais.
Ele estava velho, notadamente envelhecido. Via-se marcas de uma vida. Vida e suas despedidas. Aquele Homem sabia da dor que é feita a despedida, a partida. Ele mesmo estava em partes desiguais, desmembrado. Pedaços seus foram espalhados tal como um miserável degradado, condenado a sepultar o que antes era seu.
Sim, ele estava velho, prodigiosamente envelhecido. Bastava mirar os seus olhos. Havia ali uma força, potência, uma robustez própria do farol, no entanto, o facho de luz buscava longas distâncias, como se pretendesse avisar antigos navegantes que a terra se aproximava. Mar adentro, naufrágios, destroços. Filhos sem mães, infames órfãos.
Onde ele estava quando lançaram no clarão da fornalha papéis com coisas ditas em línguas estranhas e estranhamente familiares? O Homem não sabia dizer dos acontecimentos e dos seus contornos muito específicos, afinal ele estava velho demais para corrigir erros e minúcias. Os papéis não passavam de cinzas. E cinzas, você sabe?! É o resultado da impetuosa chama, flama. Ama, ama-seca.
Cadê a ama-de-leite? Onde se escondeu a mulher que aleita? Seus seios fartos, seu sopro de vida, cadê? São perguntas de mais, respostas de menos. O Homem estava seco. Velho e seco como aquele emblemático personagem tragado pelos “sertões” de palavras escassas do romance triste do escritor brasileiro... Como é mesmo o seu nome?
A quem interessa sabe o seu nome?
E se alguém interessa saber... o Homem estava sozinho para cuidar das feridas. Via em seu olhar desespero e nenhuma forma de esperança. Ele não teve outra opção além de esperar. Esperar a primavera desbotar, o verão arrefecer. O inverno exasperar e o outono levar consigo as folhas envelhecidas de uma história que já foi e, desgraçadamente, não voltará mais. Nunca mais...