Cicatrizes

A motosserra zunia indecifrável.

Um ruído incessante ecoava aqui dentro.

Pela intermitência calculei a distância incrédulo: estava bem próximo a mim.

A cada interrupção havia trancos e baques. E no peito um tremor repercutido.

A cada zunido estridente ouvia uma queda seca e ruidosa. E um arrepio gelado.

Queria me acostumar, mas fui tolerando e tolerando até desistir.

Levantei-me incomodado e busquei a fonte.

Já fora de casa, dobrei uma esquina e me voltei, deparando com uma cena posta e encerrada: sobre folhagens e galhos jogados, pássaros atordoados voavam, procuravam em vão um pouso.

Tomado pela tontura me juntei a eles e perdi o chão.

Percebi, afastando-se da cena, alguém que guardava o equipamento algoz: olhou quase desdenhando com uma satisfação de missão cumprida.

Sem resistência, pausei a respiração e solucei:

Folhas espalhadas, sentimentos perdidos, galhos partidos, braços decepados, sombra desfeita, ressentimentos aflorados.

Paralisado, reparei no tronco que restou, ainda vivo, escorria uma seiva avermelhada.

Era um coração sangrando.

David T Garcia
Enviado por David T Garcia em 07/08/2017
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