Cicatrizes
A motosserra zunia indecifrável.
Um ruído incessante ecoava aqui dentro.
Pela intermitência calculei a distância incrédulo: estava bem próximo a mim.
A cada interrupção havia trancos e baques. E no peito um tremor repercutido.
A cada zunido estridente ouvia uma queda seca e ruidosa. E um arrepio gelado.
Queria me acostumar, mas fui tolerando e tolerando até desistir.
Levantei-me incomodado e busquei a fonte.
Já fora de casa, dobrei uma esquina e me voltei, deparando com uma cena posta e encerrada: sobre folhagens e galhos jogados, pássaros atordoados voavam, procuravam em vão um pouso.
Tomado pela tontura me juntei a eles e perdi o chão.
Percebi, afastando-se da cena, alguém que guardava o equipamento algoz: olhou quase desdenhando com uma satisfação de missão cumprida.
Sem resistência, pausei a respiração e solucei:
Folhas espalhadas, sentimentos perdidos, galhos partidos, braços decepados, sombra desfeita, ressentimentos aflorados.
Paralisado, reparei no tronco que restou, ainda vivo, escorria uma seiva avermelhada.
Era um coração sangrando.