O lenço amarelo

Sobre Elvis e Edson

Desde que li “A mão e a luva”, um romance publicado em folhetim, lançado nos idos de 1874 por Machado de Assis, me pesam nas interpretações o quanto valem objetos, roupas e utensílios nas relações e nos momentos. O quanto marcam aquela blusa, primeiro presente no dia dos namorados, aquele ”vestido para matar” no primeiro encontro, aquele relógio que marcou hora de impasses, ou de alegrias. A primeira bicicleta, adquirida pelos pais com dificuldade.

No romance em questão, o famoso escritor deixa nas entrelinhas o encaixe das situações. Uma metáfora inteligente e real. A luva que envolve mãos delicadas e apropriadas à maciez da trama. Amores que se desalinham, vidas que se distanciam, ou medos que não nos deixam crescer.

Acontece que nas gavetas da vida guardamos nossos segredos mais obscuros. Passagens das quais não sentimos orgulho, mas que estão lá, empoeiradas pelo tempo e existiram. Inertes no tempo, não se apagam. Segredos profundos e que se somam aos nossos “eus” do bem e do mal completando o todo. É nossa história. Se fizermos bom proveito e tirarmos lições, muito bem,crescemos como pessoas.

Só o ato do bem que viver não traz bula, nem efeitos colaterais no uso de pessoas e sensações adversas.

Outro dia, mexendo em minhas gavetas, achei um lenço, desses comuns que usamos como echarpe, de uma cor nada convencional, amarela. Era uma peça do bem. Lembrei-me de quando o conquistei. Num desses shows promocionais em prol de uma instituição da cidade. Fui intencionalmente para o show, pois havia de tudo no evento, de alimentos a artesanato. E o show era nada menos de que o cover do meu maior ídolo Elvis Presley, Edson Galhardi.

Edson Galhardi, atual campeão do “SP Elvis Festival”- vai aqui uma tietagem, não faço marketing algum - ele é, sem dúvida o mais aclamado e premiado artista que faz tributo ao rei do rock no Brasil. Já vi outros, e não desmerecendo, acho o melhor.

Desde pequena, acostumada a ouvir cantores e artistas de uma linhagem diferente daqueles por quem os amigos de mesma idade suspiravam, como os da Jovem Guarda, ou mais populares, sempre tive um gosto apurado e eclético.

Com Elvis foi assim. A TV dos anos 70 não era nenhuma delícia de se ver. Mas era o que tínhamos pra época. E assistia, incessantemente, aos filmes que marcavam seu aniversário de morte. Ah, dessa morte não me esqueço. Mas isso é assunto para outra crônica.

Voltemos ao famoso Edson. Não sei se sou eu uma tiete indissolúvel, mas naquele dia não perdi de maneira alguma o show.

Chegando o tão esperado momento, quando aquele homem alto e imponente, com suas calças pantalonas bordadas e seu topete duro a gel e uma voz marcante, não contive as lágrimas.

Lembro-me que quem me acompanhava talvez não entendeu tamanha emoção. Só quem tem um ídolo que ultrapassa gerações e décadas sabe. Mas não resisti.

Não sou do tipo atirada, que se lança na frente das pessoas para abraçar seu ídolo. Então, esperei o momento certo e lancei meu olhar “43” a meu ídolo para que na famosa entrega dos lenços, ato que o rei fazia e seu tributo copia, e ele respondeu. Entregou-me um dos lenços, o meu na cor amarela. Continha um adesivo com a logomarca de Galhardi. Lá se vão uns 20 anos.

Deus, como me senti recompensada e feliz!

Daí, revejo, anos mais tarde, Edson, nas redes sociais. Como deve ser difícil entender! Não tenho interesses se não o da tietagem, o interesse da fã, que na impossibilidade de assistir ao seu ídolo, vê seu clone, seu ídolo maior, com certeza, seu “imitador” mais afim. E se deleita.

O lenço, que me cabe nas lembranças de fã. O amor de outrora, que não soube entender o ato de amor. A luva que reveste a mão. Ah, se Machado soubesse...

Silvinhapoeta
Enviado por Silvinhapoeta em 07/08/2017
Código do texto: T6076745
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