MORAR NA RUA

Li agora no UOL que cresceu o número de moradores de rua no Rio de Janeiro.

São quase quinze mil, muitos com curso superior.

Não duvido e ainda corrijo: penso que o número é maior.

Élcio, um amigo meu, pedreiro, veio essa semana consertar minha churrasqueira.

Ele foi morador de rua, por pouco tempo, mas teve a experiência.

Conversamos a respeito; até porque também quase passei pelo mesmo problema, por duas vezes.

Élcio foi criado num orfanato.

Com dezoito anos foi colocado na rua.

Na época ele trabalhava com um construtor que era meu vizinho.

O construtor o acolheu e lhe deu um quarto no fundo da casa, onde tinha teto, banho e refeições.

Depois Élcio alçou voo.

Foi para São Paulo, onde sua vida saiu do trilho já apertado.

Não conseguiu trabalho e foi colocado para fora da pensão.

Lembro que ele me contar: "a primeira coisa que se tem de fazer nessa situação é andar".

"Não é necessário um destino, andar faz a gente pensar que tem um."

"Não sente" - "Ande", esse é o primeiro pensamento de resistência.

"Só a noite me sentei", "foi quando bateu o desespero".

Por sorte a situação durou poucos dias; ele conseguiu com estranhos carona para voltar para Araçatuba e buscar apoio no antigo empregador.

Leio no UOL, que Mendonça, um morador de rua de 58 anos, que já foi executivo de RH, mora na rua, mas que não conta a sua situação para ninguém.

De minha parte, acho que é um erro.

Mendonça diz que "a situação é vexatória" e que "não encontraria apoio de ninguém".

Discordo.

É para isso que existem "amigos" ou mesmo "conhecidos";

para saberem o que se passa, para serem confrontados.

Quando fui para São Paulo, em busca de trabalho e de fazer uma faculdade, fui bater numa república de "conhecidos".

Desci do ônibus com o endereço na mão e já me instalei na sala com a maior cara de pau, "estou em busca de trabalho e alojamento".

Não negaram.

Me acolheram e ajudaram a arrumar emprego.

Claro, passei constrangimento, e fiz que não ouvi quando se reuniam na cozinha, "que fazemos?", "quem vai falar para ele ir embora?".

Problema deles; o meu era encontrar abrigo - e já encontrara.

No primeiro dia já fui empregado numa metalúrgica.

Depois um colega de trabalho nessa metalúrgica me levara a sua pensão, falar com a proprietária, "dona Tita".

Tita era uma negra forte, gente boa, percebi logo.

O lugar era pobre; mas quem estava em busca de luxo?

"Não tenho lugar no momento" - disse-me ela;

"portanto vou ter que colocá-lo na lavanderia".

E foi lá que ela colocou uma cama de armar, de metal, com um colchão fino, preenchido com algodão vadio.

Ao lado da vasca e de uma prateleira de sabão, quiboa, soda cáustica, dormi ali por um mês.

Havia baratas, que resolvi com uma verde bomba de detefon.

No mesmo dia que lá cheguei jantei, embora eu não houvesse pago nenhum tostão, porque o combinado era pagar mensalmente, quando recebesse o salário.

Vivi essa vida simples, humilde, rica em experiência, por quase um ano.

Tita ainda era "pomba gira" num terreiro de candomblé.

Nunca me esqueço a confiança que ela depositava na vida, no sorriso largo e na capacidade de fazer a gente sentir que era bem vindo.

Ao contrário do que pensem, considero hoje que foi uma experiência e tanto.

Ajudou a moldar a pessoa que sou hoje.

Feliz, realizada, com filhos e netos.

Um abraço e obrigado pela leitura.