Ufa!

Era uma epidemia que já poderia ser chamada de pandemia, pois acontecia de norte a sul, leste a oeste do Brasil com suas dimensões continentais. A doença ainda não tinha classificação. Os desclassificados apresentavam uma coloração amarela (seria um novo tipo de icterícia). O raciocínio lógico e a memória iam ficando prejudicados e babavam sua raiva pelos cantos da boca. Cientistas buscavam descobrir a causa. Pesquisando amostras de sangue em laboratórios de análises clínicas e químicas, nenhum agente biológico/patológico era encontrado, dificultando a criação de um antídoto. Teorias daqueles que acreditavam em vida inteligente fora da terra ganhavam força. Defendiam que através de ondas eletromagnéticas emitidas de um aparelho que estava em todas as casas, as mentes mais suscetíveis eram, digamos assim, infectadas e começavam a repetir o lixo, tentando infectar novas mentes mais fracas. Os desclassificados iam perdendo a noção do que é certo e errado e atrocidades eram vistas como coisas normais ou aceitáveis pelo bem da República. Os desclassificados de braços dados iam formando uma corrente e arrastando todos rumo a uma máquina do tempo que levaria direto ao passado. Alguns gritavam que era loucura tentando restituir-lhes a razão. Eu também gritava, mas parecia inútil. Acho que a doença não tinha cura e me vi sendo empurrado para aquela máquina. Do outro lado grilhões esperavam pelos nossos pés. Eu gritava “HIPÓCRITAS! DOENTES! ESTÃO DESTRUINDO NOSSOS DIREITOS! EU NÃO ESTOU INFECTADO! NÃO QUERO IR PARA AQUELA MÁQUINA!” - A resposta que eu ouvia dos desclassificados é que era pelo bem da República. Eu olhava para os lados e via outros que ainda não tinham sido infectados e pedia socorro na ajuda para furar aquela corrente. Alguns lutavam, mas a maioria estava apática e íamos todos sendo empurrados em direção à máquina. Um pavor ia tomando conta do meu ser e meus gritos já estavam me deixando rouco. Minhas forças estavam se exaurindo, suava aos cântaros e gritava: “PAREM!” Foi quando um tremor começou. Era a Marcinha mexendo comigo e me acordando, beijando meu rosto dizendo:

-Calma Daltinho, era só um pesadelo. - eu olhei para ela assustado e disse:

-Ufa!