Um Par de Pronomes

Em certas tardes não se espera ver ninguém conhecido, concorda? Você quer passear enquanto caminha para o mesmo café, onde se entrega todas as sextas. Ela, cansada, irreconhecível, incapaz de manter o mesmo sorriso da semana toda, pois os dias pesam, lembranças machucam e uma cicatriz no rosto é, às vezes, quase sempre, o motivo de querer desexistir - acabei de criar essa palavra que, pra mim, equivale a não querer mais viver no mesmo corpo, se quer outro, de outro tempo, de vida, de solidez ainda não vista.

Alguém lhe sorriu na rua, estranho demais a distância inexistir para alguns desconhecidos nos dias de hoje, pensou ela. Guardou o pensamento, continuou andando distraída, desatenta das utopias humanas. Ela gosta mesmo é de ir embora daqui, do espaço e está sempre voltando na véspera. Confusa, chega ao café... estranhamente lotado, com apenas uma mesa livre. Sorte a minha, pensou ela. Logo pediu sua vitamina de sempre, e recomeçou a ler o capítulo de um livro sobre eclipses, recomeçou... Outras vezes perdia-se nela mesma lendo qualquer coisa, no entanto, nunca, nunca mesmo, se encontrava a mesma. Está tudo bem, reagiu, mas heis que surge um rapaz pedindo licença pra tomar um café na sua mesa, já que nesta, havia três lugares vazios. Ela assente com a cabeça e sorri com aquele semblante de que vai usar o rapaz pra julga-lo, julga-lo e descobrir onde ela mesma erra, afim de melhorar suas teses sobre pessoas desconhecidas que se auto-revelam nas ruas, bares e becos da cidade. Ela adora ler os outros. O livro que carrega consigo e não lê é apenas pra manter a verdade de leitora, de mulher sempre ocupada e ele, já segundo ela, é desatento das coisas não vistas. Ele a olha... Olha e fala, parece que mente, “Professora?”, quer prosseguir, mas parece esquecer. Ela responde ser estudante. Parece oca a si mesma de tão incompreensível que deva ser sua resposta a ele, ela própria enlouqueceria na dúvida sobre o que estuda, literatura ou pessoas? Retoma, "Estudo literatura, o gênero lírico especificamente, o lirismo que não é libertação também, mas este é só para as horas vagas", foi clara. Como agora, pensou.

Elegante, 24 anos, astrônomo, inquieto a vida toda, sonhador, solitário em boa parte dela. Julga que viajou sozinho aos 18 anos, a faculdade exigia que ele fosse, a vida exigia, seu único e principal namoro durou três dias porque ela queria ser missionária e ele tinha que estudar o céu. Ele tinha que fazer isso, era sonho. Pra ele, o tocável equivale aos sentidos aguçados nos livros estudados de 00:00 à 00:00 e pra que? Pra existir. Pensava, raciocinava. Coitado, sonhava tão alto, que um dia uma estrela atravessou-lhe o peito, precisava sonhar desse jeito? "Exato", disse ele, quando ela sugeriu que ele não conseguia manter uma vida sem café porque é ansioso.

Não existem maldade nas intenções dela, mas automaticamente arruma o cabelo ruivo com os dedos e lhe direciona a palavra tirando os óculos: "É bom olhar pra você". Ele está encantado. Nunca encontrara uma mulher que gostasse de ler sobre eclipses nas sextas. Ora, eles se olharam, sozinhos, conflituosos, no meio de tantas outras almas e quebrar de pratos. Desistiram.

Ela desistiu de o ler de uma vez só, reconheceu sua pequenez, encontrou sua limitação e logo em seguida percebeu sua vida ilimitada do outro lado daquela mesa. Ele desistiu de encontrar a si mesmo nos outros, enxergou-se muitos pela primeira vez, quis jogar-se no desconhecido, desistiu de réplicas e exatidões. Amou-a.

Ele disse que ela é tão incompreensível e de olhos tão bonitos.

E ela disse: “Amai para entende-las, pois só quem ama é capaz de ouvir e de entender estrelas.”

Izandra Varela

Izandra Varela
Enviado por Izandra Varela em 05/08/2017
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