MOTIVADORES ("Quem anda no trilho é trem de ferro. Sou água que corre entre pedras - liberdade caça jeito." Manoel de Barros)
O sol de agosto aquecia o pátio da escola, anunciando o início do segundo semestre. Com minha agenda surrada e uma pilha de contas a organizar, senti o peso da responsabilidade e a urgência da produtividade. As férias já eram uma lembrança distante, e o aroma de café fresco da sala dos professores misturava-se às expectativas renovadas.
Decidi começar organizando minha agenda e equilibrando as contas, um exercício de renovação que sempre me trazia certa paz de espírito. Cada decisão precisava ser amadurecida e implementada com precisão, como um bom vinho envelhecido. Objetividade e racionalidade seriam minhas bússolas nessa jornada de retomada.
Na sala dos professores, uma surpresa nos aguardava: uma mesa repleta de bombons, providenciados pelo grupo gestor. Este gesto aparentemente simples criou uma atmosfera calorosa de boas-vindas, adoçando momentaneamente o retorno às aulas. Porém, como sempre na vida de educador, a doçura logo deu lugar ao amargor dos desafios.
A reunião que se seguiu delineou estratégias para lidar com os chamados "alunos-problema". As vozes dos colegas ecoavam frustrações e anseios: "Não consigo lidar com a turma tal", "Aquele aluno é impossível". Observei como alguns professores, num lampejo de esperança, guardavam seus bombons para oferecer aos alunos difíceis, numa tentativa quase desesperada de conquistá-los.
Esta tática do "vale-tudo pedagógico" me pareceu, por um instante, um tanto ridícula. Mas quem sou eu para julgar? Afinal, outros optavam pela técnica oposta: a famosa "cara amarrada", evitando sorrisos e demonstrações de afeto, temendo que qualquer aproximação fosse confundida com permissividade.
O medo, esse velho conhecido dos professores, nos fazia criar barreiras invisíveis entre nós e os alunos, tudo em nome de uma suposta ordem e um respeito que, no fundo, sabíamos ser frágil como um castelo de areia. Essa distância emocional, uma faca de dois gumes, tanto podia evitar perturbações quanto dificultar a verdadeira comunicação e o aprendizado.
Quando as estratégias falhavam, a frase inevitável ecoava: "A culpa é do professor". Neste momento, percebi o embate silencioso entre contratados temporários e efetivos. Acusações veladas e olhares de desconfiança permeavam o ambiente. Os novatos, em seu zelo exagerado, esqueciam-se de que todos éramos, de certa forma, aprendizes numa jornada sem fim.
Lembrei-me então de uma velha máxima: especialista é aquele que já errou em todos os pontos de sua função. Era um lembrete humilde de que o aprendizado vem, muitas vezes, através dos tropeços. Mas de quem pretendíamos aprender se nos fechávamos para o novo, se nos escondíamos dos alunos na hora do recreio?
Refletindo sobre esses momentos, percebi a importância de um equilíbrio entre autoridade e empatia. A verdadeira virtude na educação vem da compreensão profunda das necessidades e desafios dos alunos, e da capacidade de adaptar-se, de ser flexível e humano.
Ao final daquele dia, voltei para casa com o gosto agridoce da realidade escolar. Os bombons em meu bolso pesavam como as responsabilidades que carregava. Percebi que cada recomeço é uma oportunidade de reinvenção, de quebrar as barreiras que nós mesmos criamos.
Talvez a verdadeira doçura da educação não esteja nos bombons ou nas estratégias mirabolantes, mas na coragem de sermos vulneráveis, de aprendermos com nossos erros e, acima de tudo, de mantermos nossos corações abertos para aqueles que viemos ensinar.
A escola, afinal, é um microcosmo da vida, onde erros e acertos se entrelaçam numa dança contínua de crescimento. E assim, no vale-tudo da educação, vamos aprendendo, cada um a seu modo, a ser melhores do que fomos ontem. Neste recomeço, carregamos dentro de nós um pouco de professor e um pouco de aluno, prontos para mais um semestre de desafios e descobertas.
Questões Discursivas de Sociologia - Ensino Médio
Texto: O recomeço: reflexões sobre a docência na volta às aulas
Questão 1:
De que forma as relações de poder e as dinâmicas de hierarquia se manifestam no ambiente escolar descrito no texto?
Questão 2:
Com base na reflexão do autor sobre a importância da empatia e da humildade na docência, como a sociologia pode contribuir para a formação de professores mais conscientes e reflexivos?