Céu meio despejado

Modesto Pires era de poucas palavras. Acordou assustado. A notícia de tsunami somada ao catastrofismo absorvido das publicações religiosas plantou em sua alma a temeridade do juízo final. Arrastava os chinelos dizendo:

- A miséria está precária!

Sua linguagem era constituída de sentenças estranhas do tipo: “estou me dissolvendo em anúncios!” Lia todos os desastres ocorridos no mundo. Madrugava para verificar o dia entrando pela janela que dava para os fundos da casa e de frente para o grande mar.

Verificou que o “céu estava meio despejado!” Possuía uma sensibilidade de elefante, como ele mesmo confessava, e os paquidermes haviam subido às pressas para o terreno elevado na Indonésia. Se um elefante possuía sensibilidade para tsunamis porque Modesto Pires não teria?

Um mudo desespero lhe secava a garganta com aquele céu quieto demais. Experimentava a obrigação de acordar a cidade com berros de “sumam daqui! Corram!” Sentia o dever de expulsar o medo com gritos, mas a voz não lhe saía. Que o céu estava meio despejado estava. Havia paralisia do éter na atmosfera. Com os olhos duros pela antevisão de trinta metros de água tombando sobre os eucaliptos anunciava a si mesmo a calamidade. Era feito de pânico desabando água-muralha no capão tranqüilo perto da mangueira. Na dúvida seu cérebro se situava entre opiniões que lhe nasciam de circunstância temerária.

- Estaria mesmo certo?

O sol nasceu e ele não gritou. Fechou lentamente as cortinas e se manteve controlado. Não havia ao longe o som horrendo do mar, sentiu que estava tudo bem. O mar não avançava vergastando qualquer resistência. Havia lhe passado o medo. O medo de mar.