Teias de Desconexão
Como já era de se esperar dada à trivialidade, mais um acontecimento fatal transmitido ao vivo em rede social. Sinal dos tempos...
Tempos maus em que a fartura de notícias, geralmente ruins, enchem-nos os olhos e ouvidos sem nos permitir tempo para digerir as anteriores. O passado passa cada vez mais rápido e, de forma instantânea, o presente nos exige a atenção sem compaixão, viciando-nos de tal modo que ter tempo para pensar no futuro tornou-se utopia.
Vivemos desligados uns dos outros ao mesmo tempo em que todos estamos plugados, conectados aos terríveis dramas humanos, à escandalosa corrupção que assola o país, às sangrentas ações criminais, enfim, aos fatos que requerem a nossa participação emocional muito mais do que a intelectual.
Hoje o certo, a verdade e a realidade é o que está nas redes sociais. O ser humano muito rapidamente perdeu a capacidade de refletir sobre o que realmente importa à própria vida, baseando-se nas experiências (muitas vezes fictícias) de seus "amigos" e ídolos, buscando seguir o padrão que se desenha à frente, como se fora dele estivesse à deriva na vida.
Uns morrem pelo excesso de anabolizantes, outros em plena cirurgia estética, e outros tantos tentando se fotografar em poses e locais esdrúxulos, isso quando não se matam com agonia por não ter conseguido atingir o padrão. A realidade é cada vez mais virtual e exigente, pois com um pouco de senso crítico se percebe a manipulação, seja para adotar um comportamente em detrimento de outro, seja para alienar, subtraindo a necessidade de julgamento e, geralmente, já direcionando para os produtos à venda que prometem a realização de cada desejo.
Certamente a tecnologia ajuda e muito, mas também é fonte que alimenta certo desassossego. Há trinta anos (nos tempos da caverna), recém-saídos de um longo governo militar, éramos bem mais confiantes e alegres, com amigos e colegas reais e objetivos mais tangíveis no âmbito da estética corporal, afetivo, profissional, financeiro, etc.
Não éramos, por exemplo, bombardeados pelas Mídias dia e noite com sugestões sobre a necessidade de se ter um relacionamento homossexual para experenciar a sexualidade na plenitude, como parece acontecer atualmente... Muitas moças de "bem" ainda se esforçavam para casar virgens, afinal, era isso que os rapazes de "bem" esperavam de suas noivas. Ser de "bem" significava apenas ser correto socialmente, independente da cor, religião, etc. Estávamos num mundo moderno, mas ainda mantínhamos um pé no passado recente. Os jovens, na maioria rebeldes, aprontavam muito, mas poucos perdiam o senso de proporção, afinal, a autoridade paterna e materna tinha um peso considerável no seio familiar.
Conseguíamos separar a ficcção da realidade, pois por mais loucuras que nos permitíssemos, no dia seguinte a vida continuava na rotina da escola, do trabalho, dos relacionamentos estáveis. Havia o ontem, o hoje e o amanhã, e era necessário manter tudo isso numa certa harmonia.
A internet veio para acabar com o passado e trazer o futuro à força para o presente. É disso que ela sobrevive...
Num mundo onde se tenta impor os padrões estéticos, comportamentais e financeiros das Kardashians, Anitta, Bieber e afins, muito mais do que há trinta anos é necessário saber separar a fantasia fabricada do que é interesse puramente comercial. O sonho de consumo que se supõe algo pessoal e original, na verdade não passa de indução dos marqueteiros da web. Ao manipular a sociedade para adotar determinados comportamentos e idealogias, sabe-se de antemão quais produtos essa sociedade irá consumir. Elementar, mas quem já foi fisgado e caiu na rede terá dificuldade em escapar. A teia se plasmou em vida real, de tal modo que nem o suicídio, algo de foro tão íntimo, consegue escapar à necessidade de exposição. A alienação chegou a tal ponto que, não é de todo impossível que potenciais suicidas se sintam heróis momentâneos que retornarão à vida no universo virtual em que existiram. Triste!
Mas a vida real é de labuta, de poucos recursos, de beleza singela, de muito esforço pessoal para um retorno por vezes medíocre.
O consolo é saber que é assim para a imensa maioria, com pouquíssimas exceções limitadas aos gênios, beldades ou herdeiros de bilionários. Uma meia-dúzia desses sempre existiu ao longe, mas a internet além de inflar, lança-nos à cara a cada clique, como se os sem-silicone, sem-músculos e sem-doláres fossem uma minoria fracassada ou, alienígenas!
Sinal dos tempos...