Gerente-Jênio
Existem gerentes que têm uma visão precisa sobre as pessoas com quem trabalham. Tive um chefe, o Eugênio, que era um excelente juiz de caráter. Na opinião dele. Sempre lia e recitava pérolas de todos os livros de autoajuda administrativa do momento. Foi o primeiro na empresa a substituir os termos Administração de Recursos Humanos por Gestão de Pessoas. Ainda que, fora dessa expressão, sempre chamasse as pessoas de recursos.
Várias vezes, EuJegue, o magnânimo, me relembrava o segredo da sua fabulosa técnica de detecção de personalidades. Dizia que bastava olhar três segundos para a cara do recurso, digo, da pessoa. Ele tinha um talento raro para perceber, num relance, tudo o que importava. E despejava exemplos. O sujeito sério com aparência de alemão: esse com certeza era um perfeito trabalhador germânico. A senhora de traços orientais: um exemplo da produtividade nipônica. O turco da tesouraria: certamente a melhor escolha para a tarefa. Aquele com cara de polaco: deve ser inteligente. A guria que sorri e fala e gesticula o tempo todo: só pode ser italiana, a marqueteira da empresa. A tarefa de selecionar estagiários e recepcionistas Eugênio, o valorizador, delegava, pois, afinal, recepcionista só sabe conferir cara-crachá e fofocar, e estagiário nem é gente, só serve para levar culpa.
EuJerico, o sensato, postulava que seu precioso método era infalível. Mas logo que ele chegou aqui, todo mundo no setor ficou sabendo o causo que ficou conhecido como "a primeira aplicação local do método". A sua entrevista de admissão era com a dupla Lima e Garcia. Ele chegou à sala todo pimpão, emanando sua aura de liderança. Ali encontrou um homem gordo e grisalho e uma mulher negra e jovem. Ele olhou três segundos para o homem... e estendeu a mão para cumprimentá-lo, dizendo ‘Boa tarde, chefe’. Em seguida, olhou três segundos para a mulher… não a cumprimentou e pediu a ela ‘Moça, traz um cafezinho pra nós?’ O Garcia conta que, ao ouvir isso, arregalou os olhos, completamente embaraçado, e viu que a dona Lima sorriu amarelo, mas o Eugênio continuava estampando seu sorriso confiante. Ela então, polidamente, pediu para o Garcia fazer a gentileza de buscar café para os três, ao que ele atendeu, dizendo ‘Pois não, Diretora.’ E o Eugênio nem ficou vermelho.” O pessoal do setor acha que esse causo ilustra claramente a validade do método dele. Aliás, até hoje não se sabe se ele realmente percebeu a gafe.
Mas parece que os autointitulados grandes líderes também aprendem, ainda que demorem um bocado. Esses dias, EuJeca, o comprometido, se atrasou para uma reunião com uns executivos canadenses, perdeu voo, sei lá, e ficou enviando mensagens: “segura os caras”, “trânsito ainda trancado”, “temos que fechar esse contrato”, “trânsito não anda”. Se juntar tudo que ele teclou, parece que estava em uma reunião: não disse nada útil. Os canadenses já estavam de saída, apertando as mãos do William, nosso estagiário, e da Jeanne, a recepcionista, quando ele finalmente chegou na empresa. Ela o apresentou, em francês, aos canadenses. Eles disseram que os detalhes técnicos da proposta foram bem explicados, em inglês, pelo William. E entregaram o contrato assinado. No fim da semana eu soube pelos corredores que EuJênio, o social, até deu bom-dia para o estagiário. E mencionou surpreso a recepcionista: “Eu não sabia que ela falava francês!” Como se alguma vez tivesse prestado atenção nela, ou em qualquer outro dos seus funcionários.
A propósito: o cara-de-alemão, Armando, era ativista marxista-leninista. A guria hiperfalante, Dolores era advogada e atuava no sindicato contra abusos da empresa. O polaco, Lotário, era o menos esperto do setor. O cara-de-turco, seu Ernesto, na verdade era paraguaio. E a senhora japonesa, a Mari, bem... essa era ninja mesmo!