Profissão ou vocação?
Aquele que tem uma profissão tem um bem; aquele que tem uma vocação tem um cargo de proveito e honra.
Benjamin Franklin
Essa é a pergunta para a qual ainda não obtive resposta, embora haja fortes indícios que a segunda opção se encaixe melhor naquilo que chamo de “trabalho”.
Desde que me entendo por gente quando me perguntavam o queria ser quando crescesse tinha a resposta na ponta da língua. Quero ser professora!!_respondia com uma certeza e uma convicção, que não se esperava de uma pessoa em uma idade tão tenra.
O tempo foi passando e a paixão só aumentava. Olhava para meus professores e via-os como heróis, pessoas ilustres. Sentia certa “inveja” e pensava todos os dias que um dia queria ser igual a eles. Na minha ingênua cabeça eram os seres mais felizes e privilegiados do planeta... Aquilo não poderia ser considerado trabalho!!!
Minha brincadeira preferida de criança sempre foi “escolinha” e nunca aceitava o papel de aluno sempre queria ser a professora. Uma época cheguei a montar uma escola de “mentirinha”... O fogão a lenha da vizinha (por sinal muito querida__ Fátima) era o que me servia de quadro, os gizes eram carvões, os alunos, crianças que moravam perto de casa. Todas as tardes era ali que exercia minha “profissão”. O tempo passou e quis Deus que o sonho daquela menina inocente se tornasse realidade. Com 18 anos apenas, alguém comete a loucura de me convidar para assumir uma sala de aula. Meu Deus!! Quanta vergonha das aulas que ministrava naquela época! !Era apenas o sonho de uma adolescente, a necessidade de dinheiro para manter a faculdade, a coragem e espírito aventureiro próprios de uma pessoa daquela idade. Se fosse hoje jamais assumiria algo tão sério com tanto despreparo e imaturidade. Mas Deus na sua infinita bondade sempre colocou anjos em minha vida... E um anjo desses se chama Tia Anterina , que me manteve em uma instituição por seis anos, enquanto gestora ,mesmo sabendo de minha falta de experiência e incapacidade.
Em 2004 ,fui admitida como professora efetiva no município .Que alegria!!! Que realização!!! Sempre encarei o educar como “missão”.. (Contrariando a expectativa de muita gente, que acreditava que deveria ser “missionária” _termo usado entre os evangélicos usado para designar uma pessoa que se dedica inteiramente a evangelização _quase sempre em lugares distantes...) Sempre tive uma paixão intensa pelo anunciar o evangelho, falar de Jesus, ser um veículo que conduza, nem que seja uma pessoa apenas no mundo a Deus...
Só que:
*Descobri que posso fazer isso através de minha profissão.
*Descobri que não preciso atravessar fronteiras como muitos imaginam para cumprir a minha missão, que se conseguir atravessar a fronteira do meu orgulho, de minha ignorância basta.
*Descobri que para ser missionária não preciso de microfones, mídias, talvez precise mesmo é de silêncio quando o meu “eu” quer gritar.
*Descobri que não preciso de uma plateia que me ouça pregar, e que meu dia a dia é uma constante pregação.
* Descobri que não preciso sair de meu lugar de origem, que todos os dias há uma urgência, um grito de socorro de alguém do meu lado, basta apenas que tenha ouvidos sensíveis para ouvi-lo.
*Descobri que missão talvez seja o último centavo do limite no cartão para atender uma necessidade extrema de um irmão, a última pontinha de sorriso no fim de um dia tenso, a última gota de paciência depois de um dia exaustivo, o último segundo do precioso tempo para ouvir alguém. Talvez sacrificar um domingo com a família, ou qualquer dia de descanso para uma ação que não atenda interesse pessoal.
Missão talvez seja conquistar o cônjuge diariamente...
Cuidar afetivamente, financeiramente, daqueles que um dia nos deram a vida e se sacrificaram tanto para nos dar sempre o melhor, nossos pais.
Missão talvez seja salvar nossos filhos, lhes oferecendo presença ao invés de presentes, compreensão ao invés de repreensão, carinho ao invés de críticas.
Missão talvez seja conhecer a nós mesmos e detectar de que forma poderemos ser melhores amanhã ,parar de atribuir a Deus e ao próximo a razão para alguns fracassos, que o nosso maior inimigo não é o outro, e sim nosso eu.
Pensando assim, sempre que ministrava aulas de português aos adolescentes, muito mais do que ensinar regras ortográficas, de acentuação, minha preocupação maior sempre foi transmitir algum ensinamento de vida...
Quando falava de contos maravilhosos, Chapeuzinho Vermelho, por exemplo, o que mais me encantava não era falar sobre as características do gênero, ou a estrutura de um conto. O que mais queria era falar dos lobos maus atuais: violência ,dinheiro fácil, drogas (lícitas ou não), vida sexual desregrada etc...
Quando ensinava poesia, lendas, mitos, romances, novelas sempre queria mostrar o quanto dependemos de fantasia, que a realidade é muito dura e cruel, que o dia em que acabarem nossos sonhos ali encerrará nossa existência.
Quando falava de crônicas, sempre quis enfatizar que não precisamos de grandes momentos, grandes fortunas para nos realizarmos. Talvez a felicidade esteja ao nosso lado todos os dias e não a percebemos, pois não temos o olhar aguçado e sensível dos cronistas aos fatos do cotidiano a nossa volta. Tudo depende da forma que aprendemos a olhar a vida.
Quando falava das cartas pessoais, e-mails, MSN, bilhetes sempre quis deixar subentendido a necessidade do contato físico entre as pessoas. Que palavras, sinais de pontuação, fotos ,jamais conseguirão traduzir a emoção de um abraço, de um aperto de mão, de um olhar... Que a melhor forma de comunicação ainda se chama oração_ sem presença física aparente, mas de uma conexão, uma aproximação tão profunda que só é capaz de explicar aquele que sente, não tem horário marcado, burocracia para que se fale e não custa dinheiro ...
Quando falava de fábulas sempre quis mostrar que às vezes os animais irracionais têm atitudes mais éticas, mais humanas que muitos de nós.
Quando falava dos gêneros jornalísticos (notícia, editorial, reportagem, manchete) sempre quis deixar subentendido o quanto nossa vida é vulnerável, que todos nós temos telhado de vidro e estamos sujeitos a enfrentarmos situações difíceis a todo instante, que tragédia não acontece apenas na casa do vizinho, que a maldade existe em grande escala no mundo, mas que a bondade sempre prevalece, que não podemos deixar de acreditar na nossa geração pelos fatos negativos que são noticiados todos os dias, que o número de pessoas com atitudes honestas, boas é muitíssimo maior do que o contrário, que nem tudo que se é noticiado nas mídias sociais é o que de fato aconteceu... Depende do ponto de vista de quem noticiou, de quem presenciou, de quem ouviu .
Quando falava de artigo de opinião sempre quis deixar claro que a tendência humana é sempre querer que a sua opinião prevaleça, que seja a correta, a mais coerente, mas que precisamos entender que nem sempre a nossa opinião deve ser aceita, devemos aprender a respeitar a opinião contrária, cada um opina de acordo com a bagagem que traz dentro de si. Opinião é como DNA ,cada um tem o seu. Queria deixar claro que jamais poderemos permitir que roubem nossa identidade, porque nos tornaremos como “papagaio” repetindo o que os outros, falam ,pensam, que devemos estar dispostos a pagar o preço, custe o que custar, para defender nossa opinião diante de temas relacionado ao conjunto de valores éticos ,morais, sociais ,religiosos, culturais que herdados. e nossa família, do nosso convívio social etc...
Que às vezes temos que ter a humildade de mudar de opinião, pois pode ser o melhor caminho para a nossa qualidade de vida e das pessoas que nos cercam. Não podemos nos fechar e sermos “Gabriela”::”Nasci assim, sou assim, e morrerei assim”. Temos que nos dar a chance de sermos eternos aprendizes....Não poderemos ser os mesmos amanhã do somos hoje, contando que essa mudança constante seja positiva... As raízes não mudam.. Mas não impede que a árvore tenha flores mais verdes, mais viçosas que antes, que os frutos sejam mais saudáveis e as flores mais perfumadas e atraentes.
Quando falava de adjetivos sempre queria mostrar que devemos nos atentar muito mais para as virtudes de uma pessoa, do que seus defeitos. Que às vezes atribuímos adjetivos certos para substantivos errados ou vice-versa.
Quando falava de pronomes queria que entendessem o quanto estamos fazendo uso do pronome pessoal “eu” e dos possessivos de forma equivocada, que às vezes estamos nos esquecendo do “ele”. Tornamos- nos egoístas por demais, nosso eu tem se tornado um ídolo que tem nos afastado de Deus e das pessoas.. Estamos apegados demais a posses, bens materiais e às vezes não valorizamos pessoas.
Quando falava de verbos sempre enfatizava que toda ação tem uma reação, seja ela positiva ou negativa, que muitas vezes nossas ações podem determinar nosso estado de espírito.
Quando falava de pontuação sempre deixava uma mensagem subliminar: que em algumas situações devemos parar refletir e colocar um ponto final, pois o texto /vida pode ficar confuso , enfadonho . Às vezes a gente coloca um ponto final, onde Deus apenas colocou uma vírgula... Que quando chega o dia do ponto final de nossa existência nada podemos fazer para impedi-lo.
Às vezes é preciso o uso do travessão ,deixar que nosso interlocutor fale , temos que calar e ouvir...
Às vezes a interrogação se faz necessária , pois nos estimula a busca da resposta, a sair da inércia, mas é preciso aprender que há algumas interrogações que apenas nos acarretará sofrimento ,para as quais não há resposta concreta, somente a eternidade nos revelará .Aprendi que em relação a Deus e a fé não se deve ter indagação ,apenas aceitação, porque Deus e fé ninguém explica, até porque se tivesse explicação deixaria de Deus e fé..
Que o ponto de exclamação se faz inerente à vida humana, ora expressando alegria, ora tristeza, ora empolgação, ora desânimo,,, Mostram-nos o quanto a vida é imprevisível e cíclica. .
Que a vírgula às vezes se faz necessária nessa sociedade agitada e imediatista...e que devemos priorizá-la para enumerar boas ações e não valor financeiro...
Que as reticências conseguem deixar em aberto aqueles sentimentos que carregamos a trancafiados a sete chaves ,não conseguimos exprimir através de palavras, gestos...São tão nossos que não conseguimos dividi -los, mesmo que queiramos.