Absinto ótico

Entra na sala. Procura dialogar com o ilustre desconhecido. Trata-se de Clube Virtual para poucos não bastando ser rico para se tornar membro. Orgulho profundo pertencer ao seleto sítio. Para mim é simples curiosidade. Debatia sobre o novo gênero de literatura. Prezar-se de modelo original consistia no privilégio da nova sociedade de “escritores de máquina”. Levarão algum tempo para reconhecer o acontecimento.

Procurei ampliar o tema.

- Basta escrever em computador para produzir Ficção Virtual*?

- Creio que não. Considerando o fenômeno da escrita e as novas condições da técnica... Outrora escrevemos na pedra, atualmente na tela, isso não determina o gênero; mas a constante reflexão dos efeitos. Como nos sentimos diante do fato. Como estamos sensíveis ao presente da exposição modificada. Continuou: a repetição é efeito dramático de máquina por esta razão assistimos expressões sígnicas como: “????????” entre os diálogos. Para que a redundância alcance a matéria exprimível na gorda duvida dos símbolos. É quando o autor procura manifestar incertezas, discordâncias, inquietações sobre o subterrâneo das relações incompreensíveis. Conjugadas ou não, em série ou não, anônimas ou rastreadas. Espécie de absinto ótico com padrão de luxo estético. Tremenda sedução que o desenvolvimento da imagem produz gerando conhecimento e poder. Informação que agrega dificuldade de juízo sobre o emprego desse impacto no campo social. Multifuncional e binário. Temos então a novíssima robotização filosófica.

- O escritor do gênero Ficção Virtual procura uma condição crítica sobre o encontro do homem com a livre comunicação de massa. É agente...

- Sim. Nessa instância ocorre um dado atual. Vai bandear-se para a generalidade como reação direta. É estimulação ótica a conseqüência. A página se abre na tela e lá encontramos o seguinte: “você!” A palavra “você” é um rosto enigmático. Seja qual for o complemento será preciso abstenção para o quanto “você” é “você” em tempo real. Ou o chapéu que aceitamos. A perspectiva é diversa dos outros meios. Precisará o expectador converter “você” em algo “seu” para convocar uma refutação. Jogo constante de “sim e não” encravado na grande complexidade subjacente. O subentendido é a vantagem para quem domina a técnica.

- Não viramos a página de um livro pela mesma razão?

- Creio que não. O livro nos permite outra moldagem mental. A concordância escapa do contexto quando recebemos diretamente aquilo que não nos diz respeito em se tratando de visualização. Como usuários nos parecemos exatamente como a rã “Tree Frog da Google” catando com a “língua-olhar” um pontinho lançado da informação em fragmentos. Sapeamos a linguagem entre segmentações. O que nem sempre significa entendimento.

- Há uma constante decomposição das regras de estrutura?

- Somente o tempo poderá fornecer um fundamento sólido e produtivo para a construção da teoria. Uma conjectura sobre outra hipótese. E que diga respeito à existência da Ficção Virtual como gênero literário. Existe, mas será preciso antes ampla divulgação nos jornais, na televisão, nos meios tradicionais para se consolidar. Só se consubstancia como verdade associada. Daqui alguns anos será possível assistir a televisão, ou que restar dela, no prato de sopa. Assim como os dados, as cartas e as nozes eram do povo a imaginação da fome continuará embalando o progresso por princípio, de resto o que há é alento da caridade... No futuro será possível ligar o carro nos sapatos, essas coisas... Há vestígios de romantismo classicizante contra o ardor racionalista em sendo globalizante. Nem realismo, nem naturalismo. O amor do micro é prosa científica vulgarizada. A ficção virtual anuncia apenas que o modernismo não foi o último movimento definido na literatura.

Chove. No município há interrupção da transmissão indicando que o progresso não é linear. O progresso obedece a teoria das minhocas californianas numa sociedade enrolada. A chuva obedece à face do exílio. O novo exílio visual. Estava ansioso para continuar o assunto. Alcançar a tese sobre os minutos de subliminar vadiação vividos diariamente. Para lidar com a “intrínseca razão das indiretas” empregando a ausência de devoluções respectivas. Sem “lixeira mental” determinada pela indiferença como recurso subjetivo. No momento havia apenas a mensagem: a página não pode ser exibida. Adeus! Adeus.

Antes de religar o computador, quando o sol voltou a brilhar novamente, parei no quintal. Descobri que sobre o jardim prevaleceria a teoria do novo dia novamente.

____________________________________________________

* Expressão do Autor.