A única coisa passageira na vida é a própria vida

Aquele dia abriu à janela do seu quarto e sentiu o cheiro da cidade, tinha um cheiro de fritura e fumaça de carro logo pela manhã. Escovou seus dentes, e saiu sem tomar seu café. O caminho até o trabalho era curto, pegava pouco transito, via as pessoas caminhando pelo parque e uma moça bonita que corria. Ao chegar no seu trabalho, deixava suas chaves na gaveta da mesa, respondia uma ou duas mensagens de bom dia de alguma garota que já havia saído. E-mails para responder, planilhas para preencher, ligações, clientes, pausa para um café amargo, daqueles bem fortes. Era como ele gostava do seu café. Como foi o jogo comentam alguns de seus colegas, conversam sobre coisas paralelas, coisas banais, coisas do dia-a-dia. Almoça no restaurante de esquina, comida boa e barata por dez reais. Ele passa por ali, por aquelas ruas, aquelas esquinas, todos os dias, meio que introspectivo.

Para ele estava tudo mais o menos, médio, no meio do termo. O trabalho lhe causava média satisfação e o salário é mais o menos razoável. O café mais o menos gostoso, a comida era mais o menos gostosa, a garota que conheceu em um aplicativo de celular com quem transou ontem, era mais o menos o bonita e o sexo foi médio.

Todo dia sua mãe ligava, as vezes ele atendia e as vezes não. Ele dizia estar sempre bem, que as coisas estavam indo. Era trabalho e casa, casa e trabalho, as vezes tomar uma cerveja no bar com seu amigo solteiro, um dos poucos que restara. Ele tinha plena consciência da sua vida e o que fazer para muda-la. Mas nada ele fazia, nada fazia com que ele quisesse fazer algo.

Até que um dia...

Ele viu um linda garota de olhos de jabuticaba, sorriso largo e jeito engraçado. E ele, confuso como sempre, não sabia dizer ou entender aquele sorriso. Era para ele? Era o jeito dela ser? Ele nunca desvendou esse mistério. Ele sabia que não tinha tempo a perder, porque uma garota linda dessas não iria ficar ali muito tempo dando bobeira. Ele foi até ela e perguntou se poderia sentar ali. Ela olhou para ele sem se levantar da cadeira e disse com um sorriso no rosto:

- Não!

O rapaz no outro dia abriu a janela do seu quarto e sentiu o cheiro da cidade, era cheiro de fritura e fumaça de carro, mas estranhou, não se incomodou com isso. O rapaz foi para o trabalho, tomou seu café e enquanto bebia até pensou: “Até que minha vida não é um lixo”.

O rapaz foi almoçar no restaurante da esquina, e ele estranhava muito aquela felicidade, aquela sensação de alegria, de que a vida valia a pena. E estranhava mais ainda em saber que era por conta de um fora que levou na noite anterior. Ele disse para si mesmo, “ainda vou encontrar aquela menina. E ao chegar no restaurante, ela estava lá, sentada comendo sozinha. Ele com um sorriso bobo olha para ela, e ela o olha com espanto. Ele vai até ela e diz: - moça, eu sei que sou um estranho, talvez você nem se lembra que ontem pedi para sentar ao seu lado para conversamos, mas hoje de uma forma que não sei explicar, meu dia está fazendo muito mais sentido. Dessa forma, será que poderia sentar ao seu lado?

A moça muito espantada, e com seu sorriso habitual olha para ele, sem se levantar da mesa e diz:

- Não!

De qualquer forma ele sorriu, e engoliu seco aquele não. Por dentro ele sentia um sensação esquisita, um nó no estomago, uma falta de ar. Ele virou-se, sem dizer nada, achou melhor nem almoçar, perdeu completamente a fome. Saindo pela porta do restaurante ela grita:

- Espere!

Ele vira-se e volta.

- Você deixou cair sua carteira.

Ela agacha-se e pega a carteira e entrega para ele, com um sorriso no rosto.

Ele sai, mais confuso ainda. E ao andar pela calçada vai pensando em como poderia ter sido diferente, de que maneira ele poderia ter abordado ela, como poderia ter feito para dar certo sua investida. E distraído com seus pensamentos, vai andando, e ao atravessar a rua, acaba não prestando atenção, quando de repente é desperto por um som de uma buzina, infelizmente tarde demais, sem tempo pra correr ou desviar, o carro o acerta em cheio e o rapaz rola por cima do carro e cai alguns metros de distância. A moça que via tudo de onde estava sentada do restaurante corre, pois ela era médica e pensou que poderia dar os primeiros socorros.

Quando ela chega o rapaz com a respiração bem ofegante e muito ferido. Ela diz para ele tentar ficar acordado, que uma ambulância já estava vindo. Ela pergunta:

-Qual seu nome? Qual seu nome?

O rapaz da seu último suspiro, como um último sopro de vida, e ela sente ali que naquele corpo já não havia mais vida.

O rapaz que ela não conhecia, que por uma coincidência enorme havia encontrado no dia anterior e pedido para sentar ao lado dela nas duas ocasiões, um estranho, morreu nos seus braços, olhando nos olhos dela tentando dizer o seu nome.

Ela pega o seu celular, ainda em choque e faz uma ligação.

- Amor, amor, você não vai acreditar no que aconteceu.

E esse era o motivo para ela ter dito não. Ela tinha namorado.

E ela se perguntou: “e se eu tivesse dito sim, deixado ele sentar comigo, se tivéssemos conversado, almoçados juntos, sem pretensão... ele parecia ser uma boa pessoa.

Na outra manhã ela acordou em seu apartamento, abriu a janela do seu quarto e sentiu o cheiro da cidade, naquela manhã chovia, chovia muito, e ela escutou o som da cidade, o som dos carros passando pelo afasto molhado, o som da chuva que caia, e ao mesmo tempo um som de um terrível silêncio ao ver seu apartamento, seu sofá, e uma caneca com água fervendo em seu fogão para fazer seu café. Café amargo, que é como ela gosta. E nesse momento, ela lembrou do rapaz e chorou, chorou compulsivamente, ela soluçava de tanto chorar. Naquela manhã ela não foi trabalhar. E decidiu ir no velório do rapaz.

Descobriu que o rapaz chamava-se Arthur. Ela sentou perto do caixão, e ficou olhando para ele, triste. Um dos amigos do Arthur chamou atenção de todos, dizendo que queria dizer umas palavras em homenagem ao amigo. E ele proferiu o seguinte discurso:

- Arthur como a maioria de vocês aqui sabem era um cara que mais do que qualquer um que eu tenha conhecido gostava muito de aproveitar a vida ao máximo, de curtir cada momento. Artur sempre dizia que a vida era curta e que tudo passa. É Arthur, tudo realmente passa. E você passou por nossas vidas e sua passagem não foi em vão. Ao nos deixar tão cedo, além da saudade fica também a lição de como aquela vez que eu estava tão triste com coisas da minha vida e você me ajudou a se levantar, você mais do que ninguém sabia ajudar as pessoas a se sentirem bem com elas mesmas e não dar tanta importância a coisas pequenas, a coisas que passam. Da última vez que nos víamos você estava meio cabisbaixo, triste, dizia que a vida parecia estar estacionada e que você não conseguia sair do lugar, dizia que apesar de parecer bem para as outras pessoas você não estava bem. Porém no dia da sua morte, pouco antes do acidente ele havia me mandado uma mensagem, e nesse mensagem, vou ler para os senhores, ele diz: “Amigo, por um motivo que não se explicar ouvi um não de uma garota ontem e hoje estou me sentindo muito mais vivo e não paro de pensar nela, acho que ainda vou a encontrar”. Seja quem for essa garota, ela fez com que os últimos instantes de vida dele fossem melhor. Ele era assim, um romântico. Descanse em paz meu amigo, você sempre estará no meu coração.

A moça chorou, voltou para casa. Ligou para seu namorado e pediu para que ele fosse lá.

-Oi amor, o que houve?

- Não quero mais, não quero mais nosso namoro, não quero mais.

- Como assim, por que? O que eu fiz?

- Não é você, eu apenas cansei, cansei de fingir que te amo de verdade, porque na verdade eu não amo. E por muito tempo que menti para mim mesmo dizendo que o amava, mas eu não amo, não te amo. E por mais difícil que seja dizer isso e por mais difícil que seja para você ouvir isso, é a verdade. Não podemos nos casar, eu não quero me casar. E você é maravilhoso, você é bom para mim, e se realmente tivesse uma razão para isso seria muito mais fácil. Mas simplesmente não sei por qual razão, não sei. Apenas sei que não te amo, e não posso mais mentir para você e para mim.

O namorado da garota saiu arrasado, confuso, sem entender, ele queria morrer, para ele, ao sair do apartamento dela, tento ouvido aquelas palavras a vida perdeu todo e total sentido. Ele pensou “como posso viver sem meu amo?”.

A garota passou o dia em casa, e apesar de toda a tristeza que a cometia, ela sentia uma total sensação de liberdade e seu coração doía, mas batia mais leve. E ela disse para si mesmo, “a verdade é libertadora”. Foram sete anos de namoro e um ano de noivado, que acabou ali.

A garota acordou no outro dia, e abriu à janela do seu quarto, e sentiu o cheiro da cidade. Era um cheiro de fritura e poluição, logo pela manhã.

E garota disse ali da sacada do seu apartamento. Como é bom viver, como é bom sentir, como é estar aqui. E como dizia o Arthur, tudo passa.

Tudo passa...

Brenner Vasconcelos Alves
Enviado por Brenner Vasconcelos Alves em 26/07/2017
Reeditado em 28/07/2017
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