Em letras góticas
O reclame é antigo, muito antigo, anunciando as virtudes curativas da Lugolina, a loção glyco-boro-iodada, panacéia para as moléstias epidérmicas. E foi extraído de uma edição de 1891, do Estado de São Paulo. Ano de muita efervescência político-social no Brasil, que engatinhava apenas como República. A transcrição abaixo é auto-explicativa e não carece acréscimos ou reparos.
E quase tão antiga quanto a Lugolina, mas muito mais eficaz - pois afinal é a que faz - é Dona Jovelina, natural da Onça de Pitangui, e agora só de Pitangui, nascida nos albores dos anos de 1920. Dona Jovelina além de rimar com a notória loção em questão é mais que uma múltipla solução.
Cozinha, borda, proseia, reza, cultiva sua horta e ainda tem tempo para inspirar e reger a vida de seus dois pimpolhos, José Francisco e Hélder que, juntos já dobraram 120 anos de muita harmonia e afeição à indefectível progenitora.
Mamãe, que foi sua colega de teares e da algodoeira dafábrica, tanto no Brumado quanto em Pitangui, com ela, faz tabelinha rabiscando motivos em tela que, pacientemente, Jovelina completa com seu toque artístico de bordado.
Dia desses, ao levar-lhe alguma guloseima - por sinal, pedaço de bolo de meu aniversário, delicioso por sinal - e alguma outra infalível, e também comestível, encomenda de mamãe, Dona Jovelina, enquanto compulsava sua matusalêmica bíblia à procura de um documento, pediu que não se lhe reparasse a falha de não ter refeito ainda sua cama de dormir, às nove e tanto já, em razão de uma meia dúzia de ocupações que lhe haviam surgido entretempo.
As folhas soltas do Sacro Livro só ameaçaram cair de suas mãos seguras, mas o documento que buscava é que não fora encontrado daquela vez. Mas ela tinha certeza de que o acharia logo, não fosse a pressa que tive em prosseguir na rodada matinal que incluía até compra de charutos.
E Dona Jovelina não deixou por menos, ao reafirmar que logo encontraria o dito documento, seu diploma de formação no curso primário, emitido pela direção do Grupo Escolar Professor Zico Barbosa - por onde haviam passado minhas tias mais antigas também - sem contudo deixar de assinalar:
- Claro que eu me lembro bem desse documento, grafado em letras góticas...
E Lugolina, recorrentemente, faz-me lembrar Jovelina:
“Ninguém use mais pomada. Lugolina ou loção glyco-boro-iodada. Approvada pela Inspectoria de Hygiene. Novo e unico remédio líquido, eficaz nas moléstias da pele, feridas, úlceras, frieiras, assaduras, suor fétido dos pés e do sovaco, moléstias secretas, queimaduras, manchas da pele, espinhas, etc. Tem as mesmas aplicações das pomadas, unguentos e sabonetes, mas não tem gordura nem cheio e nem suja as roupas. Companhia de Drogas do Estado de S. Paulo – Rua Direita, 3”. Publicado dia 3 de maio de 1891.