Enquanto esperava.
Muitas vezes as conversas em sala de espera de um consultório médico acaba sendo mais proveitosa e divertida que a própria consulta, que costuma ser, hoje em dia, dez vezes mais rápida que a espera. Outro dia, ao entrar numa dessas salas, notei que só havia um lugar entre duas senhoras. E, já que elas estavam conversando entre si, eu perguntei se uma delas não queria ocupar a cadeira do meio. Ambas disseram que não. Sem entender, tive que me sentar entre as duas. A do meu lado direito justificou dizendo que preferia ficar ali no cantinho porque dava para se encostar no balcão da atendente, pois estava "um pouco" gordinha. A do lado esquerdo justificou que preferia ficar perto da porta de entrada, de vidro, para observar a filha chegar, porque já tinha sido atendida. A sala estava relativamente cheia e eu deduzi que minha vez iria demorar, também fiquei sabendo que a médica havia chegado atrasada. Um ano antes eu havia desistido de esperar por esse mesmo motivo. Desta vez tinha que aguardar, e, sem opção, passei a ouvir a conversa animada, espremida entre as duas, que vez por outra se projetavam na minha frente para se escutarem melhor. De vez em quando, se dirigiam a mim perguntando "você não acha"? O assunto era variado, até que, em determinado momento, a do lado direito, do cantinho, resolveu expor todo seu curriculum vitae, contando suas experiências de dois casamentos e um episódio com a filhinha do primeiro casamento, que a avó materna não deixou que ela levasse para seu novo relacionamento. É que minha minha mãe não confiava, "sabe como é?" ( olhava pra mim e eu afirmava que sim). Aí, justificou a preocupação da mãe contando uma história de um menininho vizinho, que ficava em casa com o padrasto pela manhã enquanto a mãe saía para trabalhar. Todos os dias ela ouvia a criança chorar, até que um dia, preocupada, ela resolveu bater na porta para saber o que estava acontecendo. O vizinho alegou uma série de motivos que a criança não queria obedecer. Então, ela pediu permissão para levar o menino pra se acalmar na casa dela, já que a vizinha mãe do menino a conhecia e eram amigas. A criança, já mais calma, confessou que apanhava do padrasto porque este queria que ele ficasse quieto sem brincar, e mostrou uma marca de beliscão. Ao ouvir isto a senhora, do lado da porta de vidro, deu um grito de espanto perguntando: E O QUE VOCÊ FEZ? - Contei tudinho para mãe dele, respondeu irritada. E aí? - eu perguntei, já inserida na conversa e curiosa. - Bem, a mãe do garoto disse que já estava desconfiada e depois que a criança falou que o padrasto o ameaçava se contasse pra mãe, ela mandou o dito pro inferno, respondeu gesticulando. E acrescentou: sempre que alguém ouvir uma criança chorando muito, na vizinhança, faça como eu, procure saber o motivo e denuncie, porque senão você pode ser considerada cúmplice dos maus tratos.
Todos que ouviram a conversa concordaram, inclusive eu. Finalmente ela foi chamada e a filha da outra chegou para pegá-la. Na rapidez das consultas, não demorei tanto na espera como havia imaginado.