Asas à audição

Pensei, nestes dias, em escrever algo sobre o senhor Jô Soares – trato-o com a reverência que ele, certamente, dispensa, pois, para o Jô, o senhor é você. Não o fiz, mas aproveito este espaço para dizer de minha frustração por não ter mais sua companhia nas madrugadas (leio que ele volta em 2018, em nova temporada). Fui, entretanto, aos meus guardados e encontrei algo que escrevera há uns dez anos, como preito ao entrevistado, numa conversa em que o famoso entrevistador, normalmente muito falante, deu asas à audição... Reproduzo na íntegra o que escrevi à época.

A madrugada de terça-feira, onze de novembro, premiou o público brasileiro ligado no Jô Soares com uma entrevista comovente. Quase em silêncio, com pequeníssimas intervenções – mais para concordar com o entrevistado – o humorista-entrevistador ouviu o dramático depoimento do jogador de futebol Narciso, recuperado da leucemia e novamente mostrando seu talento nos gramados brasileiros.

O atleta, de uma simplicidade cativante, falou de sua história, no longínquo Sergipe, em que jogara como armador, até conhecer a glória e se projetar nacionalmente. Um dia, através de exames médicos de rotina, é detectada a terrível doença. Narciso lembrou que o próprio médico, antes de desligá-lo do grupo de jogadores santistas em viagem e mandá-lo de volta a São Paulo, não teve coragem suficiente para dar-lhe o resultado dos exames; preferiu dizer que se tratava de uma anemia.

Confirmado o diagnóstico preliminar, Narciso contou, calmo e emocionado, a tristeza que foi ter de encarar a esposa e o filho, pelos quais passara a sofrer antecipadamente.

O atleta relatou que seus irmãos não eram doadores plenamente compatíveis, mas, com a bênção divina, suas duas irmãs puderam fazer a doação para o transplante de medula. Meses de sofrimento e restrições se sucederam. Narciso não desanimou e se curou. Emerson Leão, vendo-o desanimado nos treinos, disse-lhe que para jogar no Santos teria de se dedicar integralmente, como os demais atletas. Narciso reagiu com um “o senhor é quem sabe” e foi à luta; o resultado é sua volta triunfal aos gramados.

Não faltou também uma palavra de gratidão ao Santos, que o manteve por quatro anos, confiando em sua recuperação e valorizando o atleta.

Não me lembro de ter visto antes outra entrevista de Narciso, sequer em programas especializados em esportes. Bastou-me essa, que ficará marcada pelo tom simples, reflexivo e humano de um homem que sai do sofrimento ainda mais modesto e, certamente, mais sábio.

Plateia atenta, telespectadores refletindo... Fim de papo, e Jô lhe dá um beijo, um beijo de pai, um beijo de irmão, um beijo do Brasil. Narciso merece.