"Datas nada dizem..."
Lembrar-me-ei (disso)
"Fale-me um pouco sobre tua vida, Wellington. Você tem vinte minutos para isso."
"Em 1990 eu comecei a escrever em folhas limpas de um caderno universitário que eu tinha guardado. E nesse mesmo ano, vi, pela primeira vez, A Falecida. Essa mesma: a do 'Nº 1643'. 'Queria namorar com essa moça. Ela é o meu tipo. É linda. Mexe comigo', pensei, no mesmo instante. Nessa época 'Dead Man's Party', do Oingo Boingo, me fazia lembrar dela. Pensava direto nela.
No ano seguinte eu voltei a ler HQs. Homem-Aranha, de preferência. Foi o ano de minha vida em que me lembro com mais saudade até hoje. Quando minhas raízes de autor ('escritor' é um rótulo que, como todo outro rótulo, não diz muito sobre mim; não s'encaixa direito em mim, sabe?). Eu cursava a sexta-série. Parte de quem sou hoje tem com esse ano uma relação direta. Muito do que faço e penso hoje remete, numa linha direta, porém perdida no tempo (diabos! Você há de perdoar essa breve digressão, cacete, mas não poderia ter deixado de fazê-la, ok? Voltando – à digressão propriamente dita – 'perdida no tempo': YEAH! Isso soa tão... misterioso! Me remete ao 'elo perdido', 'the missing link', principalmente naquele trecho de 'Pedigree Butchery', do Carcass: 'Na cadeia alimentar eu fundo o elo perdido [...]' Rá! O 'Elo Perdido'! Terá ele aparecido? VIVO? Ma' que se dane isso... Voltemos.) numa linha direta, reiterando isso, perdida no tempo. Sim. Isso mesmo. Hummm... Não sei explicar; esse ano me marcou profundamente. Tento fazer paralelos com outras coisas e... Acho uma meia dúzia delas quando o faço. É, rapaz. Só cê vendo. Nota bene: o discaço do Carcass, o melhor deles na minha opinião, data desse ano: 1991. É meu ano preferido em citações. Numa de minhas aulas, a última na EJA, em 2012, eu informava aos meus alunos um tipo de marcação de citações comum. E, para tanto, me valia de dois dados que me vieram à mente na hora, mas, ao que me consta, não tem ocorrência na internet (não tinha em 2012). Eu escrevi na lousa: 'Conforme Barney (1991:37)'. Cacete, meu! Isso 'soa' interessante até hoje. "Barney', para mim, era um acadêmico da área de Administração ou algo do gênero. Sociólogo, que diabos, sei lá. Mas era isso mesmo. Era um sobrenome muito interessante e fácil de lembrar. NADA brasileiro, não? Er... Mas efetivo. Eu acho, né?
Em 1992, pela minha luta contra minha timidez (eu tinha um pouco de cara de pau, conseguia me virar bem mais; talvez... bem, não saberia precisar o quanto isso mudou; se hoje sou mais ou menos tímido. Fato é que eu ando me fechando cada vez mais ao mundo, sabe? É. O mundo anda uma bosta cada vez pior. Tô cada vez mais puto com esse mundoente, mundo bosta que se apresenta ante mim. Com muitas fezes humanas semi-conscientes, para usar de um conteúdo tão apropriado ao Carcass. (O quarteto de Liverpool, e não é do primeiro – nem do último! – 'Fab Four' que falo, mas do famoso grupo de Splatter Death Metal inglês cujo nome não aguento mais repetir, fala, numa das letras de "Necroticism..." num tal de 'humanure' (mistura de "human", "humano", com "manure", "estrume", "esterco"). E eu gosto de transcriar isso como "estrumano". Para (a)variar, s'é que você m'entende, né?
(Meu psicólogo faz que "sim" com a cabeça, permitindo-me continuar).
"Bem", continuo, "em 1992 eu consegui abordar 'A Falecida' e ficar com ela por uma semana. Deus... Isso me marcou muito até o começo deste ano (2017). Ao completar um quarto de século de meu ingresso em sua casa, parece que aquela chama, aquele fogo de minhas lembranças de tudo, inclusive da casa, se apagaram.
"E a que você atribui esse apagamento?"
"Acho que se deve ao fato de o curso do rio da vida ter que continuar, sabe? É: não parar por nada nem ninguém. É algo natural. Os livros serão comidos por traças. A raça humana não poderá durar para sempre (tomara que não!) e... nossas memórias serão reduzidas a frações de frações de átomos; cacete, que metáfora meio estranha essa, não acha? Mas eu prefiro ela a dizer que tornar-se-ão 'nada'. Lógico! O que é nada? O que é 'nada'? Sartre tentou dizê-lo (mas como eu ainda não li 'O Ser E O Nada', diabos, que poderei dizer sobre isso? 'Nada' – e parece que já nos basta, não? Ao menos por ora...
Em 1993 eu me apaixonei por uma colega de classe. Ela faleceu, vitimizada por aquela doença de nome nada simpático. Que anda ceifando muitas vidas. Soube disso ano passado. Fiquei chocado. Às vezes tenho vontade de visitar seu túmulo – só pela experiência que seria fazê-lo. Porque, para ser sincero, não teria como. Não entro em cemitérios. Não há nada demais lá. Nada de nada. De nada. N-A-D-A. Te juro que não. Também fiz um amigo nesse ano. Amigo de classe. A gente se encontrava durante a semana para passear e tentar ficar com alguma moça. A gente não conseguia ficar com nenhuma! (risos)
1994. Acabo de ingressar no Ensino Médio. Didi, um amigo (que tenho até hoje!) inicia um forte laço fraterno comigo. A gente passa a se encontrar de fins de semana e... tentamos, em vão, arrumar, cada um, novamente, uma moça para namorar. Saco! Nada feito! Eu já estava cabeludo. Andava no visual de bandas de rock. Época marcante. Em agosto eu tenho minha primeira experiência como vocalista de banda de rock. Em Mogi das Cruzes, onde nasci. Eu arrisquei 'Creeping Death', daquela banda, cujo vocalista, um fuckin' asshole, mata ursos. O Merdallica, digo, Metallica. Fiquei pouco tempo lá. Me puseram bêbado no ônibus e eu voltei pra casa como viera: sozinho.
Em 1995 eu cursava Contabilidade junto com o Didi. Nesse ano comprei minha primeira (e única até hoje, que inclusive nem tenho mais...) guitarra. Um híbrido, um 'pau véio'. Mas que me ajudou e muito nas duas bandas em que toquei. A segunda e última era idealizada, nomeada e liderada por mim. Refiro-me ao 'Funeral Infernal'. Gosto muito desse nome, sabe? Até hoje. Em algumas pessoas ele provoca risos. Em outras, um certo asco. Ah, isso é bom. Pessoas divididas. Nem todas te entendem, certo? Nem todas tentam t'entender. Essa é a verdade. Esse é o lance. Sacada interessante essa. Vês?
Olhe... Os anos que seguem não trazem muita coisa de que eu me lembre com muita alegria. São fatos isolados. Ademais, devido aos meus conflitos internos (que não são poucos, não!), nem gosto de ficar voltando ao passado; isso me irrita, porque tenho que lidar com fantasmas que... que me incomodam. O (meu) passado não deve estar assim tããão bem enterrado a ponto de não me incomodar. Daí eu ter algumas crises quando retorno a ele. Posso até surtar. Não quero continuar falando sobre isso, S... Mas posso marcar um outro momento e continuar de 1996 para cá. Numa parte 2 desse relato, pode ser?
"Claro. O tempo acabou. Só tem um problema: datas não importam à História. Bem, professores de História o dizem. Então... Ademais, você tem precisão com algumas datas. Eu sei disso. Você apenas demonstrou. Facilitando as coisas para mim. Mas voltando: você se importa muito com datas. Isso demonstra um pouco de aprisionamento teu. Ao passado. E isso não é bom. Te faz sofrer. Parece um rol de coisas boas e ruins que formam uma espécie de roupa que você veste. Por alguma razão que, por ora, não está clara. Mas poderemos ver isso nas próximas sessões. Tudo bem?"
"Sim. Inté mais, então."