O CANHÃO DO EMÍLIO SÁ CONTRA A JAGUNÇADA DO PADRE CÍCERO
Vendo passar o padre, com o pesado bordão com que costumava andar, seguido de um bando de fanáticos, disse: “Ali vai um missionário; amanhã um grande usurário; depois um perigoso revolucionário. ” E a profecia do sertanejo, feita quando o padre Cícero era um santo, realizou-se. (Manoel Bergström Lourenço Filho – in Juazeiro do Padre Cícero)
A Sedição de Juazeiro - como figura nos livros de História - foi um sangrento e cruel confronto ocorrido em 1914 entre as oligarquias cearenses e o governo federal provocado pela interferência do poder central na política estadual nas primeiras décadas do século XX. Ocorreu no sertão do Cariri, interior do Ceará, em reação à interferência do poder central contra a política do coronelismo. Sob a liderança de Floro Bartolomeu e do padre Cícero Romão Batista, um exército de jagunços, bandidos e cangaceiros derrotou as forças do governo federal, depondo Franco Rabelo. Naquela época, o padre Cícero já era idolatrado e considerado um homem santo, "fazedor de milagres".
Em 1922, o escritor cearense Rodolfo Teófilo – nascido na Bahia – publicou pela editora de Monteiro Lobato, um livro sobre esse triste episódio, A sedição de Juazeiro.
No meio de toda essa história, quase esquecido, há o episódio do canhão do Emílio Sá, dono de uma padaria no centro de Fortaleza, que teve a ideia de fazer um canhão que seria, segundo ele, "a arma fatal para dizimar os rebeldes do padre Cícero". Segue-se o fato, com as próprias palavras do grande romancista e historiógrafo Rodolfo Teófilo:
“Emílio Sá, para derrocar as fortificações do padre Cícero, mandou fundir um pequeno canhão nas oficinas do Sr. Alfredo Mamede. A pequena peça – julgava-se – poderia atirar bombas de dinamite no acampamento inimigo. (...) A fundição de um canhão em Fortaleza, foi um caso extraordinário; o transporte da peça ao Juazeiro, um lance de suprema audácia”.
A investida contra o exército de jagunços do padre Cícero foi um verdadeiro desastre. O canhão não funcionou como o esperado e virou chacota em todo o Juazeiro. Em 24 de janeiro de 1914 a jagunçada invadiu e tomou a cidade do Crato - sem antes deixar um rastro de violência e mortandade - sob as bênçãos do padre Cícero e da mão de ferro de Floro Bartolomeu.
O canhão do Emílio Sá se tornou inútil contra o bando ensandecido do padre Cícero e foi abandonado na cidade de Barbalha. A jagunçada se apoderou da peça e a levou para ofertar como um troféu de guerra ao padre Cícero, que mandou enterrar na praça principal de Juazeiro, de boca para baixo, em sinal de desprezo pela inútil artilharia.
- Esse canhão de boca para baixo, vai servir somente para as velhas baterem os cachimbos. – Disse o sacerdote, em meio à gargalhada geral da tropa.
Padre Cícero, e seu séquito de bandoleiros venceram o canhão e segundo eles próprios sob a bênção de Nossa Senhora das Dores que havia aparecido ao próprio padre Cícero e dito que nenhuma bala poderia feri-los e, se fossem mortos, ressuscitariam em três dias.
Rodolfo Teófilo, em seu livro, retrata assim o cenário daqueles dias:
“A malta de criminosos não trazia bagagem, nem trem de espécie alguma. Dormia no chão, ao relento, e se alimentava do que ia roubando pelas estradas. Em caminho, praticava toda a sorte de depredações, abrindo cadeias e soltando criminosos, que a seu bando se incorporavam para, juntos, “pacificarem o Ceará”... Era a este bando de ladrões, de malfeitores, quase na sua totalidade de outros estados, especialmente da Paraíba, que o governo chamava “revolucionários” e à sedição – movimento político”.
Hoje o tal canhão se encontra no Memorial Padre Cícero em Juazeiro do Norte. Inerte e em silêncio, talvez morto de vergonha de tão fracassada aventura.
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Fontes: A Sedição de Juazeiro – Rodolfo Teófilo; Juazeiro do Padre Cícero - Manoel Bergström Lourenço Filho; À margem da História do Ceará – Gustavo Barroso.