Hosana nas alturas
Existem soluções que se apresentam sem eliminar, ou pelo menos da forma com que se presume, o problema em questão.
Meu colchão antigo tinha declives, em que eu me encaixava, e não conseguia mais deslizar de um lado para outro na cama, sono agitado que eu tenho, visto que eu dormia em um vale; se em tempos de guerra eu chamaria de trincheira. Quantas vezes eu sonhei que estava em uma piscina, não pela água, que meu colchão não era de água, e nem eu urinava dormindo, pelo menos não com regularidade, mas pelo fato de estar dormindo agarrado à borda; eu que nunca fui um grande nadador.
Mesmo não sendo vítima de grandes dramas, eu poderia afirmar, sem estar mentindo, que eu dormia em depressão, literalmente na depressão daquele meu antigo coxim. O fato é que o homem se adapta a todas as circunstâncias, um dom divino, que nos faz adequado a tudo pelo qual passamos, ou vivemos: meu sono, e até meu esqueleto, estavam adaptados à aquela equivocada forma de se dormir; eu me sentia desamparado, quando viajava, ou tinha de dormir em outro assento para repouso, por mais aconchegante que fosse a minha companheira; existem defeitos dos quais não conseguimos nos afastar.
Dores nas costas, conselho médico, além do contato direto com o estrado, me levaram a comprar um novo colchão... como são altos os colchões de hoje. Confesso que na primeira noite em que eu dormi nele senti vertigem, eu olhava para baixo e reforçava minhas orações, para não cair da cama, seria desastroso, o chão encontrava-se muito distante de mim, e foi assim que minha nova aquisição ganhou um nome, ou melhor nome e até um apelido: Monte Everest, carinhosamente por mim chamado de Pico das Bandeiras, como era alto.
Eu assisto a televisão deitado, em meu quarto, outro dia, dividindo espaço na cama com meu filho, vimos passar por nós um vulto, eu disse que era São José, e meu filho insiste em dizer que era São Pedro, estávamos muito próximos dos seres celestiais, mas cada um viu o que sua devoção pedia.
Eu, com idade avançada, pensando em comprar uma casa sem escadas, acabo comprando um colchão que exige escada, eu passei, desde então, a dormir nas nuvens; não mais apagava a luz, antes de me entregar ao sono, desenroscava a lâmpada, de tão perto que me encontrava do teto.
Eu, um cristão fervoroso, que não dorme sem fazer minhas preces, agora orava olhando para baixo, pois o crucifixo, que antes ficava acima da minha cabeceira, já não fica mais acima... fica abaixo, nem sei se isso não é uma blasfêmia, à qual eu não dei causa, apesar de ter sido eu quem comprou o novo colchão, que é muito alto.
Em noites quentes, eu sempre dormia com a janela aberta, e de manhã acordava vendo o topo dos arbusto, onde passarinhos cantavam, agora eu acordo no mesmo nível do topo dos arbustos.
Quando eu conto que ando tendo sonhos altos, absolutamente não pretendo passar a imagem de alguém que deixou a humildade de lado, definitivamente ando sonhando do alto.
Sem exageros de pensar em colocar elevador, ou escada rolante ao lado da minha cama, gosto de afirmar que hoje em dia vivo a vida, ou as noites...nas alturas, como é alto o meu colchão.