JULHO, UM MÊS "ARRETADO"

Inicialmente quero deixar bem claro que o "Arretado", aqui neste texto, eu importei do Nordeste, via meu amigo Dartagnan Ferraz, dada a conotação que se dá por lá ao referido termo.
[Cá por estas bandas do Sul, "arretado" é quase uma ofensa, um chingamento...]
Julho para mim foi sempre um mês "arretado" !
Nasci neste mês, casei neste mes, Consegui meu primeiro emprego também neste mes.
Em meus tempos de piá, julho tinha cheiros e gostos de férias.
Aconchegos, almoços e cafés reforçados nas casas das tias, das avós, incursões pela mata, sapecadas de pinhões, pescarias, araticuns , uvas do Japão e ameixas de inverno.
Rolava até uma fogueirinha de fronte a minha casa em noites geladas de céus marejados de estrelas, reunindo as comadres, os compadres, e tôda a piazada da minha rua.
A gaitinha de oito baixos era dedilhada pelo polaco "Tóxo" (cujo nome era Antonio).Aliás, os poloneses ainda mantém estes costumes.Se o menino chama-se Tadeu, será um eterno "Tádio".Estanislau será "Estacho", José será "Yujo", Pedro será "Petrushko", Miguel será "Mikash" e por aí vai...
Mas, voltando à fogueira..."Tóxo" sonorizava a  noite, enquanto rolavam fartos comes e bebes da época.
Muito quentão, paçoca , canjica, pinhão e bolo de milho com amendoim torrado.
Sem falar no foguetório que era um caso à parte.
No quesito "festança", meus pais faziam um par perfeito.
Isso tudo fazia o pacote  do "arretamento" do mês e são coisas que ficaram apenas arquivadas nas lembranças.
Meus julhos de agora costumam ser mais discretos e mesmo inusitados:
Em , meio aos rigores do inverno (e bota rigor nisso!) florescem as cerejeiras, começam a dar o ar da graça as primeiras floradas dos pessegueiros e macieiras.

Cerejeiras, até onde eu sei, são apenas ornamentais.Já os pessegueiros e macieiras, quanto mais rigoroso o inverno,mais saborosos serão os frutos.
Tenho em meu quintal um pessegueiro da qualidade branco, salta caroço que é prova disso.
[Enche de sabores meus dezembros]
Noite de julho dia 18/2017. Pensem numa noite gelada! Elevem ao cubo, que fica de bom tamanho.
Um pouco antes das 22:00,meu filho já rabiscava  na crosta de  gelo que formava-se sobre o capô do carro.

Dona Nena, assistia a uma dita novela ,sob cobertores, mantas e edredon.
De quando em quando dava as coordenadas:
-Thuto! recolha o vaso da área da frente...
(Lá ia este vassalo)
-Recolha também aquele que está proximo ao portão dos fundos.Ah!...Também aqueles que estão debaixo do pé de araçá, verifique  se a Tífani está na  casinha...blá, blá,blá...
Terminada a estafante jornada, resuscitei minhas mãos congeladas nas chamas do fogão à gaz.
Depois, uma caneca de chocolate quente para recompor-se, até porque..."Ninguém é de ferro".
Confabulando com meus botões, concluímos que dona Nena, estava meio "malinha" naquela noite de frio intenso.
Depois, chegamos à conclusão de que ela é a heroína da história,o mala sou  eu. Afinal aturar um sujeito complicado feito este por tantos anos, é algo digno de um baita troféu.
Com as mãos aquecidas , agarradas à caneca de chocolate quente, visualizei pela vidraça esta engenhoca que a minha cara metade fizera pela tarde para preservar um arbusto de sua estimação,que é sensível ao frio.


Um certo exagero de sua parte,é claro,mas demonstra o excesso de cuidado que ela dispensa a tudo e a todos à quem quer bem.
Isso foi muito bom,porque na manhã seguinte a coisa ficou mais ou menos assim:

Neste final de semana estaremos, dona Nena e eu, completando quarenta anos de convivência, amor, carinho, respeito e algumas ranzinziçes, o que é óbvio.
A você, minha polaca de olhos de mar, de safiras (de esmeraldas quando roda a baiana), minha eterna gratidão por dividir comigo durante tantas décadas o peso desta mala costumeiramente sem
alças que é o cotidiano.

E que julho nos seja para sempre:
Um mês "arretado"
Joel Gomes Teixeira