CRÔNICA DO ABSURDO

O sol se punha quando um vulto lentamente surge no horizonte...Nada mais de humano havia restado naquelas paragens. Tudo agora eram, urubus, carcarás, cães famintos, répteis, insetos, germes e todos os animais ávidos por carniça. Habitantes dessa caatinga seca, amarga... Só.

A fedentina oriunda das carcaças humanas sufocava...Causava náuseas...Vomito. Os olhos do forasteiro se abriram, como a quererem saltar de sua órbita ocular; sua face expressou todo terror, ao deparar-se com tão pavoroso espetáculo. Ante demoníaco banquete a desenrolar-se sob seus olhos, sob seus pés. Um grito sobre-humano ecoou por toda margem e matas ciliares do rio vaza-barris.

E aquele homem, retirante das terras do ceará; depois de tantos obstáculos, tantas léguas, tanta sede e fome, não encontrou-se com o seu “Biato Antonho conseiero(sic)”.Nada de rios de leite...Barrancos de cuscuz, nada da fartura que o tinha feito renovar as esperanças...Canudos agora era um inferno formado por milhares de cadáveres insepultos.

O forasteiro agora caminha por sobre seixos, terra, espinho, sanidade.Sob um céu de maus presságios, e tendo o vento da morte batendo cruelmente em sua face agora já abstrata, alienígena, anormal...

Para diante de um cadáver que estava sendo devorado por dois magricelos cães pé duro. Seu olhar de sangue os afugenta. Bramindo covardemente fogem daquele olhar macabro,daquele animal mais irracional que eles. O retirante forasteiro ajoelha-se, e com sua faca de 20 polegadas arranca um bom pedaço da coxa do cadáver que pelo resto das vestimentas era com certeza um soldado. Leva-a boca com furor, demência e fome; e assim, torna-se não mais um retirante...Não mais um forasteiro...Mas personagem acoplado aquela imagem dantesca. Vitima do genocídio fratricida, da corrupção endemica.Do mandonismo secular, da usura e desfaçatez de uma pátria que se diz mãe gentil...

Leilson Leão

Leilson Leão
Enviado por Leilson Leão em 13/08/2007
Reeditado em 20/08/2007
Código do texto: T605949