O cobertor molhado

Flagro um corpo corcundo coberto por um cobertor listrado. Um homem, dono deste corpo, caminha lentamente em direção à janela dos motoristas que estão no sentido contrário ao meu. Vejo apenas seu braço direito estendido, com a mão aberta, pronto para pegar algo. – Moedas? Um trocado?

Chove fraco. É possível notar o peso do cobertor em suas costas, que pendia para baixo.

– Sim, ele está pedindo “algo”! Ele precisa de alguma coisa, algo que lhe aqueça, que possa trazer proteção ao seu corpo.

– Seus passos lentos são reflexos de seus pés congelados? Podem estar dormentes! O braço estendido significa mais do que pedir trocados. É também um pedido de ajuda.

Uma buzina dispara. O barulho constante me assusta. A luz que era vermelha está verde. Preciso avançar. Engato a primeira e sigo.

A cena segue comigo. O homem corcunda permanece lá.

– Quanta esperança ele tem? Será a vontade de manter-se vivo, que o mantém no mesmo lugar? O que pensa ele enquanto aguarda alguns minutos até que o farol fique vermelho mais uma vez?

– Há quanto tempo ele está lá? Por quanto tempo resistirá? Quem é aquele homem? O homem da madrugada fria e chuvosa? Que fim terá esta noite para ele? E que ele está pensando? O que sente, além do frio? Qual a sua esperança diante de cada janela em que ele parava? Viu-se em alguma delas?

– Pela manhã, ele poderá esquentar seu corpo com um copo de café com leite? Será que alguém lhe dará um pão com manteiga? Ele terá um cobertor seco para a próxima madrugada?

Nunca terei as respostas. É inútil perguntar! Mas a cena dói e exige uma força emocional brutal de mim. Segui meu caminho para casa. Ele não.
Iacoe Michaela
Enviado por Iacoe Michaela em 19/07/2017
Reeditado em 20/12/2017
Código do texto: T6059331
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