CAMINHO DA PRAIA

Todos os dias (exceto os muito frios e chuvosos) levanto cedo, faço alongamento, e, depois de comer uma fruta, saio para a caminhada até a praia, que fica a mais ou menos quatro quilômetros de minha casa. Faço isso já há quase três anos, ou talvez mais um pouco. Por isso o CAMINHO DA PRAIA se tornou bem familiar, com características marcantes. Passo em frente a um lago que denominei de Lago da Solidão, que é o título de um dos meus romances, e porque tirei fotos dele para ilustrar a capa. Merece esse nome, também, porque apesar de não ser o mesmo da história que criei, é um lago onde não se vê ninguém à margem dele; mesmo estando rodeado de casas, e de ser tão bonito. O lago, porém, não é o que há de mais importante no CAMINHO DA PRAIA, e sim as pessoas com quem me encontro – os personagens de minha caminhada. Não paramos pra conversar. Estamos caminhado, outras vezes correndo. Não podemos parar. Apenas nos conhecemos de tanto nos cruzar. Não sabem o meu nome nem eu sei os seus. Somos conhecidos anônimos no CAMINHO DA PRAIA. Só falamos “bom dia”, ou, às vezes, uma frase, algum comentário quando estamos indo na mesma direção; porém isso é muito raro. E mesmo o “bom dia”, essa saudação tão comum e despretensiosa, só aconteceu depois de um bom tempo, quando já estávamos conhecidos no caminho. Uns caminham com o cachorro ao longo da avenida; outros correm; e alguns outros parecem ir para o trabalho... Mas todos no mesmo horário, e quase sempre nos encontrando no mesmo local, com diferença de um pouco mais para frente ou um pouco mais para trás.

-- Bom dia!

-- Bom dia!

Quem são essas pessoas? Quais são os seus nomes? Onde moram? O que fazem? Não sei. Mas, como diz Asoiretsim, de Lago da Solidão, “isso importa?”. O importante é que elas estão aí. São pessoas. Têm sentimentos, têm ideias, alegrias, frustrações, realizações, amigos, ou, quem sabe, inimigos. Gosto do mistério de não saber nada sobre elas, e ao mesmo tempo conhece-las.

E como as identifico?

Bem, tem o senhor da bicicleta; a mulher baixinha, que me viu cair quando certo dia tropecei em algo na calçada; a mulher do cachorro; o atleta tico-tico-no-fubá (logo eu explico porque o chamo assim); a mulher do fone de ouvidos, troncuda, parecendo lutadora de MMA, muito fechada, olhando sempre para frente, mas que começou a me dar bom dia depois de certo tempo; a garota do portão, esperando o ônibus; a mulher do guarda-chuva, e a mulher carioca, que me disse, em breve diálogo, gostar do clima de Aracaju.

Algumas personagens foram saindo do elenco, ao longo do tempo, e outras acrescentadas. Eu as nomeio, conforme relatei, de acordo com as características de cada uma.

O atleta tico-tico-no-fubá recebeu essa designação por causa da maneira como ele corre: meio saltitante, passadas curtas, os pés mal se erguendo do chão; o corpo duro, a cabeça erguida, prossegue pela avenida num ritmo miúdo e constante.

O da bicicleta, por algum tempo foi um mistério. Todos os dias a bicicleta estava lá, na praia, sempre no mesmo lugar. Eu chegava, entrava na água, nadava um pouco, saia e me sentava para descansar e me secar ao sol, até ao momento de vestir o short e a camiseta novamente, calçar o tênis e deixar a praia, sem ver o dono da bicicleta. E muitas vezes a praia estava completamente deserta. Não se via ninguém de um lado a outro, até onde a vista alcançava. Vi a bicicleta por quase duas semanas seguidas, sempre no mesmo lugar, sem nunca ver o dono. Cheguei a pensar que ela tinha sido esquecida ali por alguém. E ficava admirado de um ladrão não a ter levado. Até que um dia o dono apareceu. Estava caminhando na praia. Conversamos, e desse dia em diante ficamos conhecidos. O homem da bicicleta e eu.

Vejo-os assim, com esses nomes exóticos. E como será que eles me veem? Como me chamam? Isso eu nunca vou saber, como eles jamais saberão. Mas isso não importa, não é? Isso importa?

Isidio
Enviado por Isidio em 18/07/2017
Reeditado em 18/07/2017
Código do texto: T6058417
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