Do you speak English?
(da série Letras da Arábia)
Lá embaixo, as áridas terras da Jordânia. À esquerda, algumas centenas de quilômetros para Oeste, as terras de Israel – ou Palestina, como queiram. Aqui o Oriente Médio, a terra das lutas eternas, onde se confundem tanques e calvários, fanáticos e profetas, palhaços e heróis.
No assento do lado, cá em cima, um japonês. Indiscretamente, encomprido o olhar e vejo que escreve. Será um trecho de diário amoroso ou uma carta comercial? Só Deus sabe. Quanto a mim, só fico sabendo depois:
- Business!
É um homem de negócios com um inglês estropiado. Meia dúzia de palavras, sem verbos e preposições. Depois de fracassarmos várias vezes em toda tentativa de comunicação verbal, apesar da nossa extrema boa-vontade, nos limitamos a sorrisos amarelos, o que fica bem para o japonês, mas que não me deixa nem um pouco à vontade. Me pergunto como podem existir comerciantes com interesses no estrangeiro que não falem inglês. E, principalmente, japoneses. A língua nipônica não é a mais aconselhável às rápidas e complexas transações comerciais do mundo moderno, sendo estranha, com certeza, à maioria dos ocidentais. Muito esquisito um negociante japonês com interesses fora de seu país não falar o idioma de Shakespeare. Azar do japonês e de sua firma.
Pecado mortal não saber falar inglês hoje em dia. Santa língua! Quando se está aqui fora é que se dá valor. Em qualquer lugar a gente pode se safar.
- Please, could you help me?
- Of course.
Quantas vezes o inglês nos tem ajudado aqui em terra estranha. Um dia, na praia, ressabiados com tantos árabes de costumes estranhos ao nosso redor, com uma língua totalmente diferente, avistamos um homem que também parecia meio deslocado. Aproximamo-nos:
- Do you speak English?
- Yes, I do.
Sim, o homem falava inglês. Tiro e queda. Embora deslocado, não vivendo nesta freguesia de Jeddah, o homem conhece tudo aqui. Leva-nos a um excelente ponto da praia, livre e desimpedido, onde descansamos e nadamos à vontade, longe dos olhares curiosos e incômodos dos naturais do lugar, mais incômodos ainda para as mulheres do nosso grupo. Tudo começou por causa do inglês. Sendo egípcio, se falasse apenas o árabe, jamais nos relacionaríamos e tomaríamos contato com ele como aconteceu. Parece que ainda o veremos.
E assim em festas, na viagem, no comércio, lidando com gente dos mais diferentes pontos do globo, o que poderíamos fazer se não fosse o inglês? Aí sim, posso imaginar o que foi Babel.
No Brasil, damos muito valor à máxima semelhança possível com a pronúncia americana ou inglesa. Aqui fora, não podemos dar-nos a esses luxos. Não interessa a pronúncia. Claro que é muito mais agradável ouvir americanos ou ingleses falando a sua língua, corrente e corretamente. Mas aqui vale qualquer acento, com quaisquer defeitos prosódicos ou sintáticos. Sendo a língua universal, hoje em dia, o inglês já não é propriedade exclusiva de americanos e britânicos. Azar deles, que viajaram tanto. Hoje ela é um pouco também de indonésios, indianos, sauditas, libaneses, palestinos, turcos, gregos, filipinos... E de brasileiros. O preço de ser língua universal é o sofrer tanta "adaptação" fonética, tanto "ajustamento" sintático, enfim, tanta estropiação geral. Mas nós, particularmente, aceitamos tudo e damo-nos por bem pagos ao conseguirmos entender e ser entendidos.
Uma vez, sozinho em Damasco – ou Istambul ou Atenas – nem Paulo nem Romero nem Diamond nem Sandra nem Rômulo nem Rey nem Monka nem Iúri. Falar árabe? Sei muito pouco, dez palavras ou menos. Por que não grego ou turco? Que brincadeira! Comunicar-me? Como? Solidão e isolamento, ou mesmo pequeninos problemas práticos que se dinossaurizam se não falamos a língua do lugar. Mas, de repente, como uma janela que se abre para alguém que tateia num quarto escuro, vem a solução. Seja para o pequeno problema prático – onde comprar pilhas para o rádio, por exemplo – seja para uma questão de aconchego espiritual, a solução vem na resposta afirmativa a esta frasezinha, tão simples e tão prática, quase mágica:
- Do you speak English?
(Jeddah, Arábia Saudita, jan/1976)