BRASILIDADE

O dicionário Aurélio define assim: sf. Sentimento de amor ao Brasil.

Mas não é amor que sinto ao Brasil é outro sentimento que não sei o nome. É uma mistura de indignação, resignação e frustração. Impotência com raiva e medo. Talvez impunidade pudesse descrever o que sinto. Não, ainda é pouco para estabelecer uma nomenclatura para este, até então indefinido, mas sempre presente sentimento. Nascido, criado e cultivado em nosso país abençoado por Deus e bonito por natureza.

Sei com toda certeza do mundo que este sentimento está lá. Ou melhor, sempre esteve. Todos os dias, semanas, meses, anos. Lá! Basta ligar a televisão, rádio, jornal ou mesmo em uma conversa despreocupada com amigos no boteco da esquina. Para mim não seria diferente. Passaria a vida tranqüilo sem nunca me preocupar com ele e assim como todos seguiria feliz. Mas infelizmente ou felizmente não sei, uma noite estava assistindo televisão e vejo uma reportagem.

Mostrava a historia de uma menina pobre que havia recebido o transplante de rim de sua mãe o que faria com que ela não necessitasse mais da sofrível hemodiálise. O problema é que os remédios que a menina deveria tomar para evitar a rejeição do transplante não estavam disponíveis na farmácia do estado. Como estes remédios são extremamente caros e a menina não tinha condições de compra-los, ela ficou quinze dias sem toma-los. O que ocasionou a perda do rim transplantado. Durante a reportagem ficou explicado que o medicamento estava em falta porque o governo não repassou a verba para os laboratórios que forneciam o remédio, mas que o problema já havia sido resolvido. Nada de mais. Apenas mais uma reportagem cotidiana de nosso país.

Mas aquele dia alguma coisa estava diferente. Os astros alinhados corretamente, ou era lua cheia, ou a cueca estava muito apertada, não sei. Aquele dia tive um estalo.

Ver a mãe da menina, a doadora do rim, que apenas chorava, não pelo descaso das autoridades ou por não ter mais um rim e passar o resto de vida com várias restrições, mas por saber que a filha teria que voltar a fazer hemodiálise e sofrer, aquilo mexeu comigo.

Foi só então vendo aquela senhora chorar, que pela primeira vez em minha vida percebi a presença do tal sentimento. Foi no olhar daquela senhora que notei a mistura de indignação com raiva, medo e frustração que eu sentia. Sem contar a resignação dela por saber que nada, absolutamente nada seria feito. Isto me deu a certeza de que este indefinido sentimento não é exclusivamente meu. Agora compreendo que a maioria das pessoas, assim como eu, simplesmente não se dão conta dele. Ou já estão tão habituados que não ligam mais. Assim como a violência ou a corrupção ele também se tornou parte do nosso cotidiano. Foi banalizado.

Compreendi os políticos de nosso país. Afinal eles também sentem o tal sentimento só que não sabem. Assim como nós não ligamos, simplesmente não nos importamos com este sentimento, eles também não.

Percebi aquilo que eles, os políticos, já sabiam a muito tempo. Que realmente somos as ovelhas do Pai. O rebanho de Deus. Somos mansos. Aceitamos tudo de todos, sempre. Não porque queremos, mas porque não nos importamos, estamos habituados e só. José Saramago já dizia: É desta massa que somos feitos. Metade maldade, metade indiferença.

E é verdade. Assim como todos os brasileiros, vejo o jornal fico com raiva, indignado, revoltado e nada! Desligo a televisão volto para minha vidinha e tudo segue normalmente até a próxima reportagem quando novamente ficarei indignado e blá , blá, blá.

É este sentimento que me dá a certeza de que todos, absolutamente todos, os políticos antes de dormir rezam fervorosamente agradecendo a deus pela mansidão do povo brasileiro.

Então fico pensando o que devo fazer?

Simples, devo parar de culpar os outros e assumir minha parcela de culpa. Assim como todo brasileiro deveria fazer. O Brasil é esta merda por culpa exclusiva do povo brasileiro. Não adianta criticar o governo que não faz nada além de desviar verbas, superfaturar obras, vender votos e fazer conchavos para aumentar os lucros de bancos e multinacionais. Vivemos em uma democracia, que excetuando todas as outras formas de governo é a pior. Fomos nós que os colocamos lá.

Somos eleitores ignorantes, despreocupados, descomprometidos e corruptos que exigem representantes sérios e comprometidos. Devemos assumir de uma vez por todas que o que nos incomoda na corrupção não é que ela existe, mas o fato de não tirarmos o nosso quinhão dela. Vivemos tempos tão conturbados que conseguimos transformar esperança em vergonha.

Agora sei como chamar esta mistura de indignação, resignação, frustração, impotência, raiva, medo e culpa. Chama-se BRASILIDADE.

Mark Brunkow
Enviado por Mark Brunkow em 13/08/2007
Código do texto: T605448