Arthur Doravan e a Reforma Trabalhista
Arthur Doravan, esse cara com nome de gringo, não passava de um folgado ocupando um sofá. Ocupava quase todo o sofá, é claro. Seus hábitos mais comuns eram comer rosquinhas trazidas pela mãe, beber um pouco de refrigerante — pouco para ele — e assistir TV.
Sim, televisão era o forte dele. Era seu trabalho, por mais que não lhe rendesse um único centavo. Se alguém o perguntasse “qual a sua ocupação?”, se apressava em responder contente: assistir televisão. Não que alguém lhe perguntasse. Nem sua mãe perguntava. E ele também não respondia, pois nem mesmo lembrava de ter palavras em sua boca para responder.
Tudo o que ele lembrava era de ter os olhos grudados no televisor.
E, do televisor, uma mulher presa atrás da leta de plasma o olhava nos olhos compassiva, mas um pouco triste.
— Hoje o Senado aprovou a reforma trabalhista — disse ela segurando um microfone com a marca da emissora.
O que a mulher estava falando não importava para Arthur, se é que importava para alguém, porque ele só gostava de assistir ao noticiário para ter alguém o olhando nos olhos. Preferia os desenhos animados.
— O presidente deverá decidir se sanciona ou não a reforma — continuou a mulher.
Os olhos de Arthur estavam fixos nos lábios da jornalista. O batom era vermelho e os movimentos sutis. Havia ali um leve puxar para a direita, que formava um vinco na face maquiada. Coçou as axilas e aprovou o cheiro. Será que algum dia ele conheceria uma garota como ela? Era provável, pensou.
Fez algum esforço para pegar o controle preso debaixo da coxa direita e mudou de canal. Um personagem do fundo do mar feito caricatura surgiu na tela e Arthur, antes que qualquer piada fosse contada, encheu a sala com sua mais profunda gargalhada.