Playground
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Sei lá porque cargas d’água lembrei que a casa ficava perto da praia. Parecia mais antiga que o mar. De noite sua silhueta esbarrava nos cantos escuros das coisas, as coisas, você sabe, que não se encontram. De manhã, outra paisagem. Sim, doce alma leitora, o amanhecer funciona.
E é preciso que amanheça para cada um de nós, pois até hoje ninguém provou que o universo é infinito. Neste inverno, quase todas as noites só me falta uma touca na cabeça, ouço a molecada do prédio vizinho jogando bola enquanto leio as cartas da Madame Brillon, suspiro, imaginando que são para mim em trechos como “Uns poucos puristas podem vir com picuinhas, pesam as palavras numa balança de erudição fria, mas você parece se expressar com mais vigor do que um gramático”. Madame Brillon escreveu isso para um ilustre destinatário, em 1778. Veja, cada um se diverte como pode. Minhas bagatelas, bagatela, termo francês para pequenas composições instrumentais, esquisitas como sesquiquadraturas, mais velhas que a Sé de Braga, não passam de clamores contidos por um abraço no fim do dia junto com uma voz carinhosa sibilando estou aqui. A casa seria um confeito no meu imaginário. Com crianças no jardim, velhos perto da lareira, mulheres fazendo bolos. Entretanto, nada desse conjunto leva-se muito a sério, do contrário quebro a Quarta Parede. A rapaziada do teatro conhece o termo, trata-se de uma barreira de mentirinha que separa os personagens do público. Agora eu te pergunto: quando o escritor rompe essa parede com o leitor? Ai, ai, muitos pensamentos para um dia qualquer. "O valor de uma vida é um presente que você está sempre desembrulhando”. Linda frase. Não posso lhe contar o nome do autor, geraria extrema controvérsia. E assim vamos, o que corre em minhas veias tenta sair porta a fora na forma de abstrações cuidadosamente planejadas para se mostrarem criadas através de um fluxo e não através de luta. Caso haja interesse, confesso que a um ente querido afirmaria apenas duas certezas, uma, tudo acontece em ciclos, outra, eu te amo. Sim, doce alma leitora, a comunidade do amor cresce organicamente ao nosso redor. Sei que parece fácil falar, considere porém que o véu da ilusão continua a se adelgaçar, daqui já avisto o filho do verbo com a ação, um dia há de crescer dentro de mim. A casa é evocativa. Todo mundo tem a sua, nalgum lugar, como bem lhe aprouver. Quando anoitece presto atenção nos troféus expostos na sala. Com muito carinho contemplo os exemplares de O Pateta do Século e o Fanfarrão da Temporada. Não foram adquiridos sem esforço. Em ambas as cerimônias de entrega todos riam bastante e diziam sorria, tudo o que você ouve, vê, sente, experimenta, todas as suas entradas e saídas nos vales dos átomos cintilantes no final de contas não passa de uma grande brincadeira.
(Imagem: Joel Sternfeld)
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Sei lá porque cargas d’água lembrei que a casa ficava perto da praia. Parecia mais antiga que o mar. De noite sua silhueta esbarrava nos cantos escuros das coisas, as coisas, você sabe, que não se encontram. De manhã, outra paisagem. Sim, doce alma leitora, o amanhecer funciona.
E é preciso que amanheça para cada um de nós, pois até hoje ninguém provou que o universo é infinito. Neste inverno, quase todas as noites só me falta uma touca na cabeça, ouço a molecada do prédio vizinho jogando bola enquanto leio as cartas da Madame Brillon, suspiro, imaginando que são para mim em trechos como “Uns poucos puristas podem vir com picuinhas, pesam as palavras numa balança de erudição fria, mas você parece se expressar com mais vigor do que um gramático”. Madame Brillon escreveu isso para um ilustre destinatário, em 1778. Veja, cada um se diverte como pode. Minhas bagatelas, bagatela, termo francês para pequenas composições instrumentais, esquisitas como sesquiquadraturas, mais velhas que a Sé de Braga, não passam de clamores contidos por um abraço no fim do dia junto com uma voz carinhosa sibilando estou aqui. A casa seria um confeito no meu imaginário. Com crianças no jardim, velhos perto da lareira, mulheres fazendo bolos. Entretanto, nada desse conjunto leva-se muito a sério, do contrário quebro a Quarta Parede. A rapaziada do teatro conhece o termo, trata-se de uma barreira de mentirinha que separa os personagens do público. Agora eu te pergunto: quando o escritor rompe essa parede com o leitor? Ai, ai, muitos pensamentos para um dia qualquer. "O valor de uma vida é um presente que você está sempre desembrulhando”. Linda frase. Não posso lhe contar o nome do autor, geraria extrema controvérsia. E assim vamos, o que corre em minhas veias tenta sair porta a fora na forma de abstrações cuidadosamente planejadas para se mostrarem criadas através de um fluxo e não através de luta. Caso haja interesse, confesso que a um ente querido afirmaria apenas duas certezas, uma, tudo acontece em ciclos, outra, eu te amo. Sim, doce alma leitora, a comunidade do amor cresce organicamente ao nosso redor. Sei que parece fácil falar, considere porém que o véu da ilusão continua a se adelgaçar, daqui já avisto o filho do verbo com a ação, um dia há de crescer dentro de mim. A casa é evocativa. Todo mundo tem a sua, nalgum lugar, como bem lhe aprouver. Quando anoitece presto atenção nos troféus expostos na sala. Com muito carinho contemplo os exemplares de O Pateta do Século e o Fanfarrão da Temporada. Não foram adquiridos sem esforço. Em ambas as cerimônias de entrega todos riam bastante e diziam sorria, tudo o que você ouve, vê, sente, experimenta, todas as suas entradas e saídas nos vales dos átomos cintilantes no final de contas não passa de uma grande brincadeira.
(Imagem: Joel Sternfeld)